O ser humano é instável. Precisamos da variação porque não identificamos as emoções e sensações, nós percebemos a DIFERENÇA entre as emoções e sensações que sentimos. Isso significa que uma felicidade constante deixa de ser percebida e passa a ser tédio, o qual é transformado em depressão de acordo com a sua intensidade ou duração.
O que é felicidade senão o prazer em algo? E o que é o prazer senão uma sensação agradável? Contudo, manter uma sensação agradável permanentemente é angustiante por sermos variáveis. Não sabemos lidar com a rotina completa (ter sempre os mesmos estímulos), por isso que ficar trancado dentro de casa vendo sempre os mesmos cômodos, os mesmos objetos, nas mesmas posições e tendo sempre os mesmos pensamentos é tão deprimente literalmente. Nós criamos e mantemos uma rotina, no entanto, ela não completamente igual. Por mais que andemos pela mesma rua, nós vemos carros e pessoas diferentes, o clima muda e calculamos os passos na calçada que não é plana. Podemos não perceber, mas inconscientemente o nosso cérebro lida com todas essas pequenas variações que o fazem trabalhar e variar (ativações pequenas diferentes o tempo todo). Lidamos com pessoas que usam roupas diferentes, com cores e texturas diferentes, com vozes e palavras variáveis. Por mais que tenhamos a mesma rotina, a louça a ser limpa muda porque não são sempre os mesmos pratos e panelas a serem limpos. O detergente acaba e esponja perde a textura inicial. Toda essa conjuntura de pequenas diferenças são essenciais para a manutenção do funcionamento cerebral.
Assim como a escassez de estímulo é prejudicial, o excesso também é. O cérebro possui uma capacidade limitada de processar informações de forma que precisa processar algumas e não conseguem processar mais do que a sua capacidade. Isso significa que, dentro de uma linha que vai do nada (zero de estímulo) e chega ao todo (estímulo total), o cérebro possui uma janela onde funciona bem. Quando sai desse trecho, ele fica sobrecarregado: sobrecarregado com o tédio ou com o excesso de estímulo conhecido como estresse. Ambos ruins, prejudiciais e angustiantes. Além disso, cada pessoa possui um cérebro próprio com as próprias características. Alguns funcionam melhor quando mais ativado (pessoas aceleradas), outro quando menos (pessoas mais lentas), alguns têm uma janela maior de funcionamento que outros, mas todos são prejudicados pelos extremos.
A rotina é um conjunto de ações feitas de maneira inconsciente fazendo o cérebro não se sobrecarregar (na parte que lida com o controle consciente). O inconsciente lida com muitas partes da vida e é responsável pelos hábitos. O fato de não termos de gastar tempo, energia e pensamento em uma única ação significa que ela pode ser feita enquanto pensamos em outros assuntos. Ao aprendermos a andar ou a dirigir, fazemos de forma consciente, controlando cada parte do corpo durante o processo. Por isso é tão difícil no início: precisamos forcar muitas partes ao mesmo tempo. Conforme fazemos mais e mais dessas ações, mais as transformamos em hábitos sendo orquestradas pelo inconsciente. O resultado é que andamos enquanto falamos e pensamos e dirigimos enquanto conversamos ou ouvimos música.
A rotina, enquanto um conjunto de hábitos que fazemos sem prestar atenção enquanto fazemos outras coisas, é positiva. Contudo, a rotina total onde absolutamente todas as ações e estímulos são iguais sem qualquer variação, é deprimente e angustiante.
Não sabemos o que é alegria, tristeza, raiva ou outro sentimento. Sabemos que nos sentimos melhor (com mais satisfação/prazer) quando comparamos com a sensação anterior. Então, ficamos alegres quando deixamos de sentir incômodo e passamos a sentir satisfação, mas não sabemos propriamente o que sentíamos durante o incômodo ou quando ficamos alegres. O incômodo que permanece não é percebido assim como a alegria permanente não é notada. Assim, temos pessoas que vivem em situações angustiantes, mas que não fazem nada para mudar porque estão “acostumadas”, ou seja, sem conhecerem uma possibilidade de sentir mais prazer ou reduzir o desconforto, este é tido como algo normal e aceitável como uma família que vive brigando e, sem imaginar ou conhecer uma vida mais satisfatória, acredita que seja normal e aceitável viver brigando porque é uma rotina.
Muitas pessoas ricas possuem aparentemente tudo que precisam e quem as inveja afirma que são felizes exatamente por terem “tudo”, no entanto, o fato de se ter tudo é uma constante e, como qualquer constante no cérebro, é deprimente. Logo, depressão nas classes mais altas acaba sendo relativamente comum e, como os demais não compreendem como uma pessoa que possui “tudo” pode não ser feliz, é vista como frescura ou algo para chamar atenção.
O cérebro precisa de ativação e relaxamento em intensidades variadas, mas sem excesso. A mesma ativação, constantemente, não gera variação suficiente para que consigamos perceber diferença e, sem diferença, ficamos angustiados, perdidos e infelizes.
É difícil compreender isso porque buscamos sempre a felicidade, o prazer e, portanto, os queremos de maneira constante. Contudo, como nunca vivenciamos uma situação em que somos felizes por muito tempo (além do que o cérebro sente/interpreta como positivo/prazeroso), não sabemos que isso possa acontecer. Então mantemos a nossa perspectiva de que o prazer é sempre bom e, ao imaginar o ideal e termos como bom o prazer, criamos a crença de que o prazer permanente seja bom. Um equívoco criado a partir de uma perspectiva muito pequena.
Uma forma de sentir que isso é real é prestar atenção no que se faz de modo inconsciente: tomamos banho e escovamos os dentes sempre da mesma maneira. Não percebemos o prazer, apenas sentimos um melhoria no nosso bem-estar geral, a qual é resultado da melhoria da higiene. Tendo tais ações como rotinas, não percebemos quão importante são, porém, quando estamos muito sujos nos sentimos incomodados e queremos o banho que, neste momento não é um hábito, mas um desejo visando o prazer de se sentir limpo. O resultado é o mesmo que dos outros banhos, com o mesmo nível de higiene, contudo, como estávamos mais sujos que das outras vezes, sentimos que o banho seja mais prazeroso e importante porque a variação do bem-estar causado pela variação de higiene é maior. O mesmo vale para outras sensações e percebemos que quanto maior a diferença de sensações, mais intensa é a emoção.
Da mesma maneira, acontece no sentido oposto onde temos o bem-estar reduzido. Quando sentimos fome, uma angústia, desejamos reduzi-la ou eliminá-la, então queremos comer. Nesta situação, comer significa elevar o bem-estar mais do que quando se come sem fome. A variação do bem-estar na primeira situação é maior, então sentimos mais satisfação e prazer enquanto na segunda opção a variação de bem-estar é menor. Assim, ficamos mais felizes na primeira situação do que na segunda.
Ao vivemos em um mundo onde há comida em abundância, o prazer obtido na eliminação da fome deixa de existir, então a alimentação passa a gerar menos satisfação, contudo, desejamos a mesma alegria e felicidade que a primeira situação gera, mas sem ter de passar pela fome. O resultado é que buscamos prazer em outras formas e de outras maneiras e uma das maneiras é comer alimentos que geram mais satisfação. Na fome, tirando a peculiaridade individual, qualquer alimento é bem-vindo e nos faz feliz, mas quando não a temos, o mesmo alimento que nos faz feliz quando estamos famintos deixa de nos fazer tão felizes. Porém, queremos a mesma felicidade, então comemos outros alimentos.
Outra maneira de conseguirmos tal felicidade é buscando outros prazeres, mas que, assim como a alimentação que é mais satisfatória quando passamos por alguma carência, o prazer é maior quando advém de uma situação desgostosa anteriormente. Mas, como temos prazer em muitos lugares da vida, a variação de angústia para satisfação é pouca, logo, para obtermos a mesma “quantidade” ou intensidade de prazer, precisamos de mais prazeres e satisfação criando uma vida onde estamos obcecados por mais e mais prazer. Todos buscam prazer, mas quando passamos por alguma carência, o sarrafo de satisfação é “menor”. Já quando temos tudo à nossa disposição, a variação entre angústia e satisfação é menor e é precisamente essa variação reduzida que nos gera a sensação de insatisfação. Dessa maneira, corremos para ter sempre mais e fazemos desse mais como a nova situação básica e constante, logo, ficar mais satisfeito do que isso é mais difícil e, assim, a felicidade fica mais longe. Talvez seja por isso que se acredita que pobres são mais felizes.
A correria está em sempre querer mais ao mesmo tempo que tornamos o prazer como algo normal e repetitivo. O ser humano cria tecnologias para facilitar a vida ao fazer uma atividade em vez do humano a realizá-la. No início é ótimo, mas a tecnologia, sendo permanente, faz com que o ser humano se “acostume” com tal mordomia e, dessa maneira, a variação de prazer é reduzida. Assim, fica mais difícil ser feliz e buscamos por mais coisas e atividades visando essa satisfação.
Criamos máquinas para lavar roupas e louça e nos deparamos com o “excesso” de tempo para fazermos algo. Em vez de aproveitar o descanso por sentirmos o tédio como improdutivo, buscamos algo para fazer visto que uma das fontes de satisfação é a produção própria (realização de alguma atividade). Portanto, percebemos que o tédio é angustiante, negativo e incômodo ao mesmo tempo que não compreendemos como as pessoas que têm “tudo” são infelizes. Criamos eletricidade e iluminação elétrica aumentando o tempo em que conseguimos ser produtivos e rapidamente nos acostumamos a essa nova realidade. A produtividade estendida deixa de ser uma satisfação por ser constante, então buscamos fazer mais alguma coisa e vivemos nessa situação conde criamos mais, tornamos esse “a mais” rotineiro, reduzindo a satisfação que gera e, portanto, precisamos de mais estímulos para conseguirmos o prazer que nos é satisfatório. Parece até um vício onde no início é incrível e maravilhoso, mas que perde a sua potência de prazer conforme passa a ser rotineiro e constante e precisamos de mais algo para aumentar a dose de prazer que temos.
Estamos sempre aumentando o sarrafo da satisfação, o que acaba por gerar tais prejuízos emocionais. Somos viciados em prazer e, ao transformarmos um prazer eventual como algo rotineiro, ele perde a sua potência de realização e precisamos de outras atividades (doses) para sentir a mesma intensidade (variação da angústia e prazer) de prazer. Em outras palavras, quanto mais satisfação (constante)temos, maior é o nível básico de prazer (sarrafo), então para termos uma grande variação emocional e sentirmos o prazer que identificamos como satisfação, precisamos uma variação emocional positiva muito grande o que exige muitas atividades prazerosas ou mais intensas. Logo, quanto mais prazer temos, maior é a dose de prazer que precisamos para nós sentirmos felizes tal como um viciado em qualquer outra coisa que precisa de uma dose cada vez maior para obter a mesma variação emocional positiva, o prazer, a satisfação. Somos viciados em prazer, viciados em viver.
O interessante é que parece que as pessoas não percebem este vício, mas identificam vícios em bebidas, apostas e outras atividades porque só conseguimos identificar um vício no outro por ser mais fácil enxergar o outro do que nós mesmos e porque estamos todos imersos na mesma situação. O viciado é viciado porque quem não possui o mesmo vício, sendo a maioria, afirma que ele o é. Contudo, assim como a rotina é tida como normal e aceitável por ser comum, quando a maioria das pessoas possui um determinado comportamento ou característica, não afirmamos ser um defeito, mas uma característica, somente. Logo, identificar toda uma população com milhões de indivíduos como viciada é improvável ainda que se tenha exemplos disso em populações antigas ou diferentes das nossas.
Consideramos a escravidão como errado e a submissão feminina também, mas somente por não as termos mais. É difícil perceber e aceitar um defeito, porém é fácil identificar no outro, portanto, identificar e aceitar um vício de uma população é muito improvável quando a pessoa está inserida nesta.
Por conta disso, avaliar a nós mesmos, individualmente, e estudar a si mesmo são tão importantes, afinal, só conseguimos mudar e melhorar conscientemente o que temos consciência. Se não sabemos o que nos afeta e o que nos agrada, como buscar a melhor maneira de ser feliz?
“A pessoa verdadeiramente feliz não sabe que está feliz” — Diego Oliver Daldoce Pereira
“As imperfeições fazem parte da perfeição. As infelicidades são essenciais para a felicidade” — um sábio.