No mundo selvagem encontramos animais lutando contra outros visando conquistar e proteger o que desejam. Desde alimento, fêmeas a tocas ou ninhos, os animais, individualmente, agem de modo selvagem ao lutarem para conseguirem o que deseja através da imposição de suas vontades pela força. Os mais fortes, os que têm mais vitórias em suas lutas e mais conquistas são os chefes e líderes ou apenas seres de sucesso que levam as suas vidas com independência sem participar de grupo algum.
Estes comportamentos são frequentemente vistos em documentários de várias espécies e reinos de animais. Vemos lutas, mortes e dores sempre por serem algumas das consequências deste tipo de vida. Este é o mundo que pensamos quando ouvimos a palavra selvagem.
Em grupos de primatas vê-se machos tentando dominar o grupo e tomar as fêmeas para as suas satisfações pessoais. Os grandes primatas se organizam em sociedades com vários indivíduos e sempre há tensão do chefe, quem domina o grupo, com os demais porque todos querem ser o chefe para terem o poder, no entanto, são fracos para lutarem com o dono do grupo e lhe roubar a posição de chefe.
Violência física, intimidação, ameaças, manipulações, chantagens ou qualquer outra forma que tenham para controlar os demais são usados a favor de cada um porque cada um quer satisfazer as próprias vontades.
O grupo de primata homo sapiens parece não ter muita diferença. Tal como em outras espécies, as fêmeas são disputadas e pertencentes ao seu protetor e dono, seja este o pai, marido, irmãos, tios… Muitos dos grandes primatas usam das relações sociais como meios de criar ou manter políticas que garantem mais poder social e o homo sapiens é simplesmente mais uma espécie que usa de tal estratégia.
Vivendo em sociedade, os relacionamentos sociais tornam-se parte indispensável à organização hierárquica e social da tribo. Os instintos animais permanecem, então fêmeas continuam sendo troféus e prêmios. Visando a pacificidade dentro do grupo para evitar baixas por derrotas e prejuízos físicos, emocionais ou sociais, a criação da ideia de uma mulher por homem “novo” (marido) é estabelecida e, assim, não há mais briga ou luta entre os integrantes do grupos favorecendo a paz no grupo, indispensável para elevar a confiança e sensação de segurança que são importantes para a integração do grupos. Com os indivíduos em paz, a soma das capacidades de cada um eleva a habilidade total do grupo em conseguir o que o grupo e, principalmente, o seu chefe, deseja. É por isso que vivemos em sociedade: aumentamos a produtividade total do grupo ao somar as forças individuais e o grupo é beneficiado com isso.
Contudo, os mais fortes sempre podem se impor mais e ficar acima das regras porque a força ou o poder são os verdadeiros ditadores. Quando há várias pessoas com força e poder semelhantes, todos são muito parecidos, quase iguais. Então ninguém tem força o suficiente para se impor sobre ninguém embora esta disputa aconteça sempre até mesmo nesta escala. Os relacionamentos diretos são a disputa de um tentar se sobrepor a outrem visando que este obedeça àquele. Chamamos isso de briga, luta ou discussão e são corriqueiras nas vidas das pessoas. É sempre alguém afirmando estar certo e que, portanto, o outro deve lhe obedecer, enquanto o outro afirma o mesmo fazendo com que ambos acreditem que o outro deva lhe obedecer causando a guerra em pequena escala chamado briga.
Quando há alguém claramente evidente por ser mais forte, mais inteligente ou com outra característica que o faça ser mais poderoso que os demais a estrutura do grupo é alterada. A regra de 1 mulher para 1 homem que visa evitar as disputas entre machos para evitar perdas dentro do grupo perde o sentido. Se um macho pode e quer ter mais fêmeas, por que se rebaixar e seguir uma regra que não lhe é aplicável?
A regra de 1 para 1 é somente uma forma de normatizar as relações dentro dos grupos. Se todos são similares, ninguém vencerá nenhuma disputa sem (grande) prejuízo. Para evitá-lo, é melhor que cada um se contente com uma fêmea e não lutem entre si. Assim não há disputas entre os machos do grupo aumentando a união entre eles e fortalecendo o grupo todo. O poder do grupo é justamente este: a força de muitas pessoas sem poder que, quando unidas, conseguem alguma força de fato. Então, se uma única pessoa já possui mais força do que outras unidas, por que seguir as regras que elas estabeleceram para si mesmas?
A pessoa com poder em grande escala, se comparada com as pessoas “normais”, pode se impor com facilidade, viver além das regras que não foram feitas para elas e conseguir mais conquistas e prêmios, seja dinheiro, poder sociais, mulheres e quaisquer outros.
As críticas que esta pessoa recebe nada mais são do que a sensação de impotência que as demais sentem misturada com a inveja que possuem porque, na verdade, elas querem ser tão poderosas quando as pessoas verdadeiramente poderosas e não as são. Elas querem viver acima das regras e fazer o que quiserem sem serem penalizadas, porém as suas incapacidades as aprisionam em vidas mesquinhas que nada mais são do que o resultado de suas produtividades. É como se a pessoa mais forte produzisse 1000 lâmpadas por dia e as demais produzissem apenas 1 por dia. Evidentemente que a primeira terá mais iluminação, contudo, todos desejam tal iluminação e, por isso, acatavam às suas vontades na esperança de conseguir algumas lâmpadas a mais em vez de aprenderem a produzirem mais por si mesmo. Assim são as políticas e relacionamentos: trocamos o que podemos oferecer com o que desejamos ter e este mercada do favores segue a regra básica humana da relação procura e oferta. Quem oferta algo desejável e raro consegue um valor maior por seus produtos enquanto quem oferta algo sem muita importância ou que há grande disponibilidade no mercado consegue um valor baixo.
Tendo muitos espécimes no homo sapiens, temos várias estratégias postas em ação e muitas delas possuem sucesso. Estratégias diversificadas para o mesmo fim e, muitas vezes, para objetivos diferentes porque, havendo muitos indivíduos com objetivos próprios, há muitos objetivos dentro da espécie. Alguns se satisfazem tendo o que comer e onde morar, outros querem mais conforto, há quem deseje mais atenção ou poder e há vários que desejam outras coisas. Então temos uma grande mistura, mas esta mistura não é única da espécie.
Na natureza selvagem há muitos indivíduos distintos com objetivos próprios. Alguns querem tomar o poder de um grupo, outros ficam bem com alimento e moradia. A diferença está na quantidade de indivíduos que, longe do número de seres humanos, possuem alguns poucos e, ainda assim, depende da espécie.
Há espécies e indivíduos que buscam conquistar os demais para conseguirem ser queridos e, assim, se apossarem do papel de chefe do grupo. Há quem lute com o chefe para conseguir sua posição rapidamente e há quem não se importe com tal posição e se mantém como subalterno.
A conquista das fêmeas também é diversificada. Pode ser pela força como os leões marinhos que sobem nas fêmeas para copular aprisionando-as sob seus corpos pesados e as impedindo de saírem. Há machos que se aproximam das fêmeas escondidos e as conquiste conseguindo a sua permissão para a cópula. Há machos que se fingem de fêmeas para passarem pelo dono do harém e se aproximarem das fêmeas e, então, copularem, como acontecem em alguns indivíduos de moluscos. Há machos que ofereçam presentes para as fêmeas para conquistá-las, que cantem ou dancem para elas como acontece em algumas espécies de pássaros. Há machos que lutem com outros para mostrar a sua força em algumas espécies animais. Há muitas estratégias, muitas maneiras de se conseguir copular e o ser humano tenta as que considera as mais fáceis como qualquer outro animal.
Toda estratégia tem o seu preço e a sua recompensa. Quanto mais se usa da força, menos tempo consegue manter a recompensa porque a força é derivada diretamente de um corpo salutar. Então, a idade e as doenças o enfraquecem e fazem o indivíduo perder o seu posto.
Assim como muitos animais em que o macho busca conseguir a aprovação da fêmea, o ser humano também usa dessa tática. Presentes e elogios são formas de se conseguir o afeto e permissão da fêmea sendo uma estratégia que depende menos da força, porém mais do intelecto. Isso significa que, mesmo que o macho envelheça ou adoeça, a chance de a fêmea continuar com ele ou conseguir outra fêmea aumenta elevando a sua taxa de sucesso de procriação ao elevar a taxa de copulação.
Ainda existem muitas culturas, até mesmo as mais “evoluídas” que agem por instinto considerando fêmeas como prêmios e que devem ser conquistadas de qualquer forma porque o objetivo é o prêmio, não a maneira que se o consegue. Os instintos ainda nos regem e nos comportamos como animais selvagens em meio a tecnologias que nos levam a acreditar que não vivemos na natureza selvagem e que, portanto, não somos selvagens. Contudo, é apenas um pano de fundo diferente enquanto mantemos o mesmo comportamento padrão instintivo e selvagem.
O comportamento infantil também é instintivo. As brincadeiras de lutas e agressividade são comuns nos meninos enquanto as brincadeiras com cuidados são mais rotineiros em meninas refletindo o resultado externo do corpo biológico uma vez que homens possuem mais testosterona, o que lhes geram mais força, robustez e agressividade. Curioso perceber que afirmamos que tal comportamento em outras espécies é bom porque os filhotes aprendem a lutar e caçar, fundamental para a fase adulta. No entanto, não fazemos o mesmo em nossa espécie porque desejamos que as pessoas sejam mais cordiais e amorosas.
Também é interessante notar que observar outras espécies sem intervir é tido como ciência e que, pelos animais estarem na natureza, o que acreditamos ser o lugar perfeito para eles, eles não devem receber nenhum cuidado ou ajuda humana. Por outro lado, se um cientista faz EXATAMENTE o mesmo ao observar os humanos, é condenado por não socorrer os indivíduos observados. Este comportamento mostra como nós não apenas nos recusamos a nos ver como animais como achamos errado não acudir alguém da mesma espécie ainda que esteja apenas observando para recolher dados. A intervenção em nós mesmo é tão grande que escolhemos afetar o experimento de observação para conseguir um resultado desejado, como o socorro de um indivíduo, do que manter as regras da ciência.
A ideologia de “natureza” que temos nos leva a acreditar que é um local maravilhoso, perfeito, de calmaria e com tudo em harmonia. Mesmo assistindo documentários que mostram mortes violentas, animais brigando e disputas acirradas, permanecemos com o concento que NOS agrada em vez de ficar com o conceito cientificamente exposto e comprovado.
Sem a “natureza” tão perfeita e harmoniosa e nós não estamos felizes na perfeição nem harmoniosos, concluímos que não estamos na natureza. Ademais, queremos tanto sermos melhores do que os animais na natureza que acreditamos que isso seja realidade mesmo sem qualquer teste, avaliação ou coleta de dados. Nós afirmamos o que queremos que seja real e acreditamos em tais afirmações como visto em A confusão de um pensamento e Por que confundimos desejos com realidade?
Tudo isso mostra como não somos seres inteligentes, afinal, como acreditar que somos se acreditamos em ideologias ilusórias, delírios de grandiosidade, desejos discursados como realidade ou direitos, dentre outras muitas distorções e narrativas criadas para agradar às nossas vontades?
Apesar de um ritmo muito lento, conseguimos avançar intelectualmente e começamos a questionar as nossas próprias ações, os nossos instintos, a perceber que, por conta de toda a tecnologia que temos, não há mais motivo para agirmos como animais selvagens. Muitos instintos não nos são mais necessários e muitas vezes são até prejuízos como o egoísmo extremos onde se desconsidera os demais em prol de si mesmo porque somos parte de um grupo, logo, o prejuízo do grupo é prejuízo para si mesmo indiretamente.
Nós criamos regra que vão contra os nossos instintos sendo razão pela qual muitas vezes nós não as seguimos criando conflitos em nossas vidas ao exigir um comportamento que não conseguimos ter.
As regras são o desejo de um comportamento alheio para benefício próprio sendo a expressão de idealizações e vontades a serem satisfeitas por outras pessoas enquanto o comportamento revela as nossas verdadeiras ideias, pensamentos e sentimentos. Por isso que queremos que todos, exceto nós, sigam as regras enquanto nós somos as exceções aceitáveis: queremos sempre o melhor para nós individualmente. Veja mais em Hipocrisia: certo ou errado? Boa ou ruim? Por quê? Este é um dos motivos pelo qual o ser humano é tão contraditório. Outro motivo é a nossa não aceitação do que somos que contrasta diretamente com o que sentimos, ou seja, o pouco conhecimento com os sentimentos desconhecidos que temos. Nós imaginamos uma explicação lógica para que nos comportemos de um jeito, contudo, nós agimos de outra forma sendo contra a lógica. Em vez de aceitarmos o fato, como nós nos comportamos de fato, e reavaliarmos a explicação, nós mantemos a explicação, que na verdade é um desejo, contrastando com o comportamento e gerando a contradição onde falamos algo e agimos de outra maneira.
O desenvolvimento do intelecto se iniciou há milhares de anos, porém é algo de grande dificuldade para este animal que somos. Somos instintivos, reativos, emotivos e agressivos. Tudo que vá contra essa essência de nossa espécie é difícil demais. Como tentamos usar do intelecto para promover mudanças comportamentais, que são o resultado de quem somos (impensantes, reativos e violentos), vivemos contradições e conflitos onde o nosso raciocínio ainda muito primitivo não explica os nossos instintos nem nos convence a sermos diferentes. Continuamos a sermos quem somos com a crítica de um intelecto nascente. Nós criticamos a nós mesmos nos reprimindo enquanto sobrevivemos apesar de sermos quem somos num mundo legalmente redigido por sentimentos disfarçados de intelecto.
Atualmente achamos um absurdo que as mulheres tenham sido tão desprezadas assim, como vários outros grupos, num passado de poucas décadas há milênios. Ainda assim, nós os temos em uma escala menor porque, possivelmente, preconceito seja derivado de instintos animais da espécie humana. Talvez, e provavelmente, os preconceitos e desprezos que temos atualmente sejam vistos da mesma maneira que vemos os do passado e o que hoje temos como certo seja visto como ridículo e burrice daqui a alguns século porque da mesma maneira que julgamos o passado com as ideias do momento presente, o futuro o fará sobre nós, o passado dele. Veja mais em O sábio do futuro é o louco de hoje e A loucura do desejo.
Apesar de tantas similaridades com diversos animais, nós temos uma certeza de que somos diferentes, que somo melhores, que somos mais e que estamos no topo de uma hierarquia que não existe verdadeiramente. Veja mais em Hierarquia (colocar link de 14 de maio de 2025) Insistimos em afirmar que somos diferentes para melhor embora não saibamos como defender esta afirmação ou explicar a origem desta conclusão.
Nós queremos tanto ser tudo isso que afirmamos que somos e, então, buscamos freneticamente por provas de que isso seja verdade e esta forma de pensar prova, mais uma vez, que não somos espertos, afinal, como se conclui uma ideia sem saber de onde e como ela surgiu?
Este assunto está explicado em A confusão de um pensamento e Por que confundimos desejos com realidade?
Nós somos tão inteligentes quanto acreditamos ou apenas queremos ser super inteligentes?