O ser humano é um ser medroso que vive estimulado pelo medo. O tempo inteiro procuramos perigos e ameaças visando nos afastar deles para permanecermos em segurança. É um pensamento muito útil que aumenta a chance de sobrevivência, no entanto, esse foco em problemas e ameaças costuma ser excessivo.
Temos medo de sermos malvistos como se isso fosse o fim de nossas vidas numa reação à sensação desproporcional. Temos muitos medos e geralmente são assim: muito medo para pouca ameaça real. Sem questionarmos o assunto, nos deixamos levar e obedecemos aos nossos sentimentos sem entender e sem desafiá-los. O que eu sinto é proporcional ao que pode acontecer? O meu medo é real? Ele realmente significa que a ameaça é tão perigosa quando eu sinto que é?
Temos medo de altura, de ficarmos sozinhos, se passarmos vergonha, de falarmos errado, de sermos alvo de chacotas e fofocas. Não vivemos nas alturas, estamos sempre rodeados de pessoas e ninguém morre de vergonha. Ademais, podemos sempre nos mudar e começar uma vida social nova. Então, nenhum desses medos é compatível com a realidade. A ameaça não é tão prejudicial quanto sentimos ser, mas em vez de observarmos tudo isso, de desafiarmos a nós mesmos ao agirmos com coragem e sabedoria, apenas obedecemos ao que sentimos e, muitas vezes, sequer sabemos a razão dos nossos sentimentos.
O egocentrismo do ser humano o faz olhar para si mesmo e o egoísmo o faz desejar ser melhor do que o outro. O primeiro é fundamental para que o indivíduo sobreviva ao buscar os prazeres que lhe dão vida como a alimentação e o sono. Já o segundo faz desejarmos que os outros sejam piores ou menores do que nós, um sentimento que depende da existência alheia enquanto o primeiro surge do indivíduo, passa por ele e é para si mesmo. O egoísmo é um sentimento oriundo da comparação do indivíduo para com o outro e, portanto, a existência do outro é fundamental.
Quanto mais sofrimento o indivíduo sente, mais egocêntrico e egoísta ele fica. Assim como um desesperado chega ao hospital com um braço quebrado e quer passar na frente de todos em busca de algum alívio para a infame dor, o indivíduo que sofre também não se importa com mais ninguém e deseja que alguém satisfaça as suas vontades tal como um médico que aplica um anestésico no local da dor. Como pensar em outra coisa além da dor? Como pensar em outra pessoa além da dor?
Nós não apenas temos uma visão que busca identificar possíveis ameaças como também ignoramos as ameaças para os demais. A dor e o sofrimento são o que nos guiam: são por eles que vivemos; é por eles que agimos e pensamos; e é para eles que sobrevivemos. Fazemos tudo para evitá-los sempre. Não buscamos a felicidade, buscamos o alívio do sofrimento; não buscamos alegria, buscamos a redução da dor.
Prova disso são as escolhas que fazemos: sempre pensando “e se der errado? E se não servir? E se eu ficar sozinho? E se ninguém me quiser?” em vez de “eu quero isso, então eu o farei; eu quero aquilo, então planejarei conseguir; é isto que quero, então eu o criarei”.
Muitas pessoas vivem deste modo, sempre pensando no pior que pode acontecer e escolhendo baseado no medo do que de ruim pode vir acontecer. Não é um pensamento focado na felicidade, mas no medo de algum sofrimento.
Outra prova de que vivemos assim é que somos afetados por críticas, como se fossem espadas afiadas que podem nos matar (socialmente), e inoramos os elogios. Os elogios, que não a aproximação sem ameaça ou apenas um acontecimento bom, são ignorados, mas nos focamos nas críticas. Por quê? Porque tememos tanto não sermos queridos que ouvimos o pior de nós, ou seja, prestamos atenção nas pessoas que não gostam de nós porque desejamos que elas gostem. E quanto a quem gosta de nós e nos elogia? Elas não nos incomodam, então não recebem a nossa atenção, afinal, buscamos alívio da dor, não a felicidade e um corpo saudável.
As críticas são as flechas que recebemos e nos preparamos para nos defender. Quanto mais agressivas elas são, mais forte é a nossa reação de defesa em forma de contra-ataque e assim vivemos socando e apanhando, criticando e sendo criticados, sofrendo e causando sofrimento. Sempre com o ponto de vista voltado para nós e desprezando as dores alheias.
Se o que nos é bom não nos machuca, então não é uma ameaça. Se não é uma ameaça, não faz sentido olharmos para isso.
A própria busca pelo conhecimento é pautada neste esquema de pensamento: não queremos aprender sobre o mundo, queremos aprender sobre o que nos incomoda para criarmos uma forma de manipular e alterar o resultado reduzindo o incômodo. Por isso estudamos as doenças, não a saúde; buscamos remédios, não prevenção; queremos analgésicos, não a manutenção da saúde. Queremos controlar o que nos machuca para que pare de machucar. Enquanto isso, o que nos faz bem é desprezado e não temos vontade de conhecer e descobrir como funciona ou o porquê. Se é bom, não ameaça, se não ameaça, não tem a nossa atenção porque não nos machuca.
Outro exemplo desse pensamento base é quando marcamos um encontro com alguém e a pessoa atrasa. Os primeiros pensamentos que temos é de que alguma coisa ruim acontecera. Ainda que a chance de que o atraso se deva por trânsito ou atraso do transporte público seja de quase 100%, nós pensamos que a pessoa fora roubada, sequestrada ou que fora morta. Sempre imaginamos o pior senário e o nosso corpo se prepara para o que “vê”, mesmo que essa visão seja apenas na nossa imaginação. Ficamos irritados, preocupados, com o coração acelerado e desesperados. Por quê? Porque algo ruim acontecer com a pessoa significa que não teremos mais a sua companhia, ainda que somente por algumas horas. Como a sua companhia é boa, não tê-la é uma perda, um sofrimento. Daí a preocupação com o bem-estar “dela” (nosso indiretamente).
Ninguém sofre com o sofrimento de uma pessoa não querida ou desconhecida. Sofremos com a ausência de algo bom. Se a companhia de uma pessoa é boa, a sua ausência é sentida como sofrimento, uma dor emocional, e é por isso que buscamos formas de mantê-la sobre controle: para controlarmos a quais perigos ela se expõe para termos a certeza de que ela permanecerá viva e conosco, nos fazendo felizes.
Para quem tem este pensamento como base em sua vida, sente o mundo como uma guerra onde deve-se olhar para todos os lados e viver em alerta porque o perigo pode estar à espreita e escondido e golpeá-lo a qualquer momento. É um pensamento de sobrevivência: sobreviver apesar das dores; sobreviver apesar dos golpes; permanecer vivo apesar de todos os perigos sem fim que existem.
É para estas pessoas que a ideia “só damos valor quando perdemos” faz sentido. Enquanto a pessoa tem o que gosta, não é um incômodo, mas quando perde, se torna um problema, um sofrimento. Portanto, são pessoas que vivem na dor, pela dor e para a dor. Sempre pensando no sofrimento, seja ele presente ou ilusório, concreto ou imaginativo, real ou impossível.
Mas isso pode ser mudado com questionamento e descobrimento de si mesmo. Se descobrirmos o que nossas emoções significam e planejarmos as nossas decisões, podemos agir de forma mais organizada e criar um futuro mais satisfatório em que o sofrimento seja pouco ou ausente. Em vez de escolhermos a opção menos sofrida, escolheremos a opção que mais progredimos e somos mais felizes.
Ser mais feliz não é o mesmo que sofrer menos no sentido de sensação. Felicidade é uma sensação de plenitude, completude e satisfação. É a ausência da falta. Já o sofrimento não é uma simples “falta de felicidade”, mas uma dor. É como se houvesse um estado entre ambos que seja neutro: sem dor e sem felicidade.
A dor é uma sensação angustiante, desagradável, já a felicidade é o oposto. Portanto, enquanto na dor há algo que machuca e queremos tirar, na felicidade temos algo que nos satisfaz e queremos ter. Entre ambos há ausência de sofrimento (o que nos machuca) e de felicidade (nos sacia). Daí que pessoas que vivem no sofrimento não compreendem a felicidade nem o pensamento de quem vive na felicidade.
Quem vive na felicidade escolhe de forma mais pensada, mais calma, é mais produtivo e cria uma vida com mais satisfação. Quem vive no sofrimento escolhe em desespero, sem pensar, busca sempre alguém que cure suas mágoas e, por escolher sem planejamento, criam uma vida caótica (não planejada).
É fácil descobrir se você funciona de um jeito ou de outro:
- Você planeja a sua vida?
- A sua vida é boa?
- Você escolhe com consciência e planejamento?
- Costuma se sentir bem e em paz?
- Aprecia o que possui?
Se as suas respostas foram sim, então você vive para ser feliz. Se as suas respostas foram não, então você vive fugindo do sofrimento. Mas não se desespere: há como sair desse sistema e tudo começa com PLANEJAMENTO.
Planeje a sua vida, as suas escolhas e suas ações para chegar ao resultado que deseja. Ninguém controla a si mesmo por completo, mas é escolhendo de forma consciente que deixamos de ser reféns do medo e podemos agir de modo a criar a nossa felicidade. Não dependa do outro, abandone o orgulho, valorize a si mesmo que, assim, não importa como ou onde o outro está, a sua felicidade está com você porque é FEITA por você. Seja egocêntrico e vise a sua melhoria para ser uma companhia melhor para si e produtiva para si. Lembre-se: quanto melhor você for para si, melhor será para os demais, então, ser egocêntrico é visam o bem-estar do grupo de forma indireta.