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Que mal duas pessoas carinhosas fazem a terceiros?

Como visto em Como explicar para o filho dois homens se beijando? e em Como se explicar o que não se entende, tudo que é diferente ou repulsivo é reprimido bem como não buscamos as explicações para os acontecimentos, mas argumentos para defender a nossa opinião visando fazê-la ser vista como uma verdade.

 

Muitas pessoas gostam de imaginar que seja possível conviver pacificamente com todos. A ideia de todos se respeitarem como algo possível e feliz é muito repetido, mas quando as pessoas começam a pensar sobre o assunto, fica claro a impossibilidade dessa utopia longe da realidade.

 

Cada um tem o seu gosto e desgosto. Acreditamos que o que nos faz bem seja certo e o que nos faz mal seja errado, portanto, só nisso é impossível todos vivem em paz porque, se cada um tem seu gosto e desgosto, cada um tem a própria definição do que é certo e errado e, assim, desentendimentos acontecem. Como respeitar alguém que acredita que apenas uma religião é a correta e que os demais devam concordar com esta? Como respeitar uma pessoa que acredita que ser superior aos demais e que, por isso, deva ser servida por eles? Como respeitar uma pessoa que acredita que mulheres devam servir aos homens?

 

Guerras e lutas foram travadas por causa dessas discordâncias, ou seja, chegou-se a MATAR em vez de respeitar e este comportamento permanece.

 

As crenças que envolvem os outros são impossíveis de serem respeitados porque os demais precisam concordar com as mesmas e isso não costuma acontecer quando a crença não beneficia a todos os envolvidos. As crenças pessoais, sobre a própria pessoa e que não dependa de ninguém para existirem, são as passíveis de serem respeitadas. No entanto, o ser humano é um ser sociável que depende da sociedade. Não somos humanos quando sozinhos. Precisamos de outras pessoas para seremos quem somos porque a sociabilidade é uma característica da espécie.

 

Precisamos tanto dos outros que a solidão é uma tortura para o indivíduo. Precisamos tantos dos outros que a nossa autoestima é fundamentada na opinião que os outros têm de nós (juntamente com a nossa mesma). Precisamos tanto dos demais que criamos vínculos e relacionamentos porque não conseguimos ter tudo o que queremos por nós mesmos.

 

E não paramos por aí. Criamos ideias e crenças de como os demais devam se comportar para conosco, nossas ideologias. Acreditamos que mães amem seus filhos; que os filhos devam obedecer aos pais; que a família se ama; que o estudo é única ferramenta para se dar bem na vida; que homens devam se relacionar sexualmente e exclusivamente com mulheres e vice-versa; que os casais devam ser fiéis…

 

Nós temos nossas crenças, que são as nossas opiniões, os nossos gostos, e vivemos tentando impô-las aos demais. Cobramos obediência dos filhos, amor da mãe, bons relacionamentos com parentes, estudo a vida toda, namoros, casamentos e fidelidade. Sempre que o outro “descumprir” tais crenças, ficamos com raiva e o culpamos pelo “erro”. Isso é conhecido por muitas pessoas por ser as experiências que têm. Sendo muitas pessoas com essa perspectiva, tal perspectiva é tida como realidade ou verdade poque acreditamos que a maioria esteja certa mesmo que nenhum acordo tenha sido firmado entre as partes.

 

Da mesma maneira, cobramos que o que não gostamos, as coisas “erradas” não sejam feitas. Então, se não gostamos de um tipo de roupa, a condenamos e falamos que não está certa; se nos incomodamos com pessoas dando amassos em locais públicos, as sancionamos de maneira a reprimir tal comportamento; da mesma maneira, se vemos dois homens se beijando, o que não gostamos neste caso, nós também os reprimimos.

 

Embora nós alegamos que amor e paz sejam bons e que devam ser cultivados, somos animais violentos e prezamos pela violência porque é o que estamos acostumados. Assim, reprimimos comportamentos carinhosos e incentivamos os violentos. Falamos que beijar em público é errado e que revidar uma ofensa é uma questão de honra. Afirmamos que a harmonia é certa e ideal enquanto criamos intrigas e disputamos poder. Repudiamos declarações de amor e achamos o romantismo cafona, mas vibramos com brigas e xingamentos.

 

Estamos tão acostumados à violência que quando ela não acontece nós estranhamos. Mais do que isso: estamos tão acostumados à violência que nos preparamos para receber pancadas e, ao recebermos o oposto, o carinho, desconfiamos e ficamos sem graça. Isso é tão verdade que ficamos encabulados quando recebemos elogios e vivemos nos preparando para receber pedradas. Quando alguém nos elogia acreditamos se tratar de flerte ou de uma maneira de alguém se aproximar para nos atacar quando estamos despreparados. Então, embora idealizemos um mundo onde possamos ser felizes e menos machucados, nós agimos como se estivéssemos em um mundo de caos e guerra e tudo diferente disso é estranho e, portanto, desconfiado.

 

Agimos dessa maneira porque queremos nos proteger de feridas, sejam físicas, emocionais ou mentais. A busca da segurança é mais intensa do que a busca pela felicidade e por isso agimos de forma a nos proteger e machucar os outros em vez de buscarmos por carinhos e amores. Nem sabemos como reagir a carinhos, a uma declaração de amor e até nos sentimos cobrados em corresponder os sentimentos alheios quando este se declara. Estamos tão acostumados a viver em alerta e em meio ao perigo que o enxergamos em tudo, então quando alguém diz que nos ama, desconfiamos e achamos se tratar de uma forma de se aproximar de nós para nos machucar. Ademais, essa nossa visão restrita faz com que só tenhamos foco para o que procuramos identificar, então não conseguimos ver os amores que circulam pelo mundo e enxergamos botes e golpes mesmo quando não existem. A nossa visão é tão restrita e programada para encontrar possíveis ameaças que não enxergamos nada além dessas e até vemos ameaças que não existem. Tudo porque buscamos fugir dos perigos e nos manter seguros.

 

É com essa visão que julgamos tudo. “Se não é para nos machucar, então é para se aproximar e desferir o golpe quanto menos esperamos” — sentimos (pensamos). E é com essa visão de julgar tudo e todos que julgamos como ruim tudo que não nos satisfaz, inclusive ideias, imagens, cheiros e pessoas.

 

Por que duas pessoas carinhosas incomodam tanto? Porque não estão dentro do nosso espectro de visão, porque nos mostram como são felizes enquanto lutamos pela nossa segurança, porque a imagem delas não é agradável, porque não compreendemos, porque não temos o mesmo gosto.

 

Da mesma forma, por que estranhamos uma pessoa bonita com uma feia? Com pensamento restrito à visão, enxergamos feio e bonito, ruim e bom. Então não entendemos como uma pessoa bonita pode ficar com uma feia já que ela é boa e a feia é ruim. Também não gostamos de ver pessoas transando em público, então proibimos tal comportamento; não gostamos de ver pessoas feias, então cobramos maquiagens e tratamentos estéticos; não gostamos de mulheres com traços que achamos ser masculinos, então cobramos que as mulheres tenham muitos traços femininos; também não gostamos de homens com traços femininos e cobramos com atitudes e corpos que achamos serem masculinos…

 

Por outro lado, gostamos de ver casais bonitos de mãos dadas, então estranhamos quando casais são feios ou não andam de mãos dadas; gostamos de ver pais sendo carinhosos com os filhos e, portanto, reprimimos e reclamamos de pais que não ajam assim; gostamos de ver mulheres com grandes seios e tiramos sarros das que tem pouco; gostamos de homens com corpo sarados e malhados e cobramos tais corpos; gostamos de pessoas cheirosas e condenamos as que não tomam banho e não usam perfumes… Cobramos o que desejamos sentir, ouvir, cheirar, olhar e recriminamos o que não gostamos.

 

Gostamos do que estamos acostumados porque acreditamos ser o certo, então criticamos o amor e o carinho enquanto incentivamos brigas e intrigas.

 

 

 

 

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