Pular para o conteúdo

Quais são os motivos torpes?

Se a vida é a coisa mais precisa que se tem, todos os motivos que levam alguém a ameaçar ou a tirar a vida de alguém, com a exceção de ser para a própria sobrevivência no instante, são torpes.

 

Desde quando ameaçar a vida de alguém para se obter dinheiro é moral ou aceitável?

Desde quando ameaçar a vida de alguém por medo de perdê-la (ciúme) é moral ou aceitável?

Desde quando ameaçar a vida de alguém para conseguir alguma vantagem política é moral ou aceitável?

 

O único motivo aceitável que pode levar alguém a agir de modo a ameaçar ou a tirar a vida de alguém é quando este alguém é uma ameaça à própria vida. No entanto, vivemos num mundo primitivo onde o ser humano ainda não sabe direito o que deseja de sua vida, qual é o objetivo de vida ou as razões que o levam a sobreviver.

 

Aprisionados no medo de não terem importância, de não terem recursos para se manter vivo, de não serem queridos, de não terem o que desejam, de sofrerem por não terem todas as suas vontades atendidas, acredita-se que tudo feito para eliminar tais sensações são aceitáveis, morais e, muitas vezes, incentivadas. Mesmo tendo mais dinheiro do que se pode gastar, roubar para ter mais nutrindo o vício de se conseguir mais dinheiro não é considerado um motivo torpe para seus crimes (de roubar, furtar, ameaçar ou matar). Mesmo tendo a vida assegurada, matar e ameaçar para sustentar a própria crença sem fundamento lógico é aceitável e guerras são travadas por este motivo.

 

Para tudo que consideramos essencial e indispensável à nós, ou seja, todos os nossos desejos mais intensos, consideramos todos os métodos válidos e aceitos para se conseguir o que se deseja. Para muitos, o maior desejo é a sobrevivência. Então, não ter suas vontades atendidas é aceitável e tolerável, no entanto, ao sentir o medo de morrer, todos os métodos para evitar tal situação são vistos como aceitáveis e toleráveis.

 

Talvez a questão esteja mais ligada à capacidade do indivíduo: quanto mais capaz de se satisfazer, mais satisfação tem e menos precisa buscar em outras pessoas. Quanto menos capaz, mais se precisa dos outros à sua disposição e obediência e, assim, a luta para se impor é fundamental e essencial à sua própria vida porque, sem a obediência dos demais, o indivíduo não consegue satisfação suficiente para se sentir calmo e não ameaçar os demais. O medo de não conseguir o que se deseja através dos demais torna-se desespero e, assim, ameaçar e matar os outros visando a sua obediência é sentido como necessidade, um meio necessário para se obter o que se deseja e se sentir melhor.

 

Em meio a pessoas que veem o mundo dessa forma, a percepção é de que se corre o risco iminente de vida e, portanto, ações drásticas são tomadas e aceitas. No entanto, se observarmos bem, quem morre por não ter um exército a seu dispor? Quem morre por não ter uma família obediente? Ninguém, contudo, é assim que estas pessoas se sentem: como se estivessem diante da morte (psicológica).

 

As estruturas psicológica, mental e emocional são indispensáveis ao ser humano. Sentimos como se fossem partes de nós, mesmo que não as vejamos ou tocamos com os dedos. Elas existem e as sentimos e, as sentimos tanto que é por elas que batalhamos todos os dias.

Temos uma coletânea de crenças que são a mistura de opiniões com informações. São os nossos guias, as nossas explicações sobre o mundo e, por isso, indispensáveis. É com elas que compreendemos o mundo, que nos planejamos e sobrevivemos, portanto, tê-la é de sua importância. Contudo, por ser derivada em grande parte dos sentimentos, incluindo medo e esperança, elas relatam mais de nós do que do mundo em si e por isso são ideias criadas, não desenvolvidas a partir de informações constatadas ou fatos. Ainda assim, acreditamos nelas com toda a convicção que temos e, por isso, todos que mostram alguma falha em nossas ideias, que provam que algum detalhe de nossas crenças não é real nos gera uma sensação intensa de sermos agredidos brutalmente. Reagimos na mesma proporção que sentimos este “golpe” com gritos, brigas e até lutas. Morremos por nossos ideais e lutamos por elas provando que esta parte invisível e indispensável tal como uma ameaça bruta à nossa vida física. Então, se agimos e sentimos desta forma, acreditamos que matar e ameaçar os demais para “defender” as nossas ideias seja moral, aceitável e incentivado, afinal, estamos protegendo a nossa vida (psicológica).

 

Sem ideias, sem crenças, sem uma estrutura mental ou psicológica, nós não sobrevivemos. É por acreditar que conseguiremos sobreviver que lutamos, é por acreditar que conseguiremos o que desejamos que persistimos e é por conta da nossa estrutura mental que nos planejamos e agimos na vida. Quanto mais organizada e fundamentada em fatos e lógica, mais a nossa estrutura mental nos leva a conseguir o que desejamos e criamos uma vida mais afortunada e de sucesso (com o que queremos).

 

Quanto mais distante da realidade é a nossa estrutura mental, sendo mais fundamentada nos sentimentos do que em fatos, mais sobrevivemos aos choques entre imaginação e realidade. Agimos baseados nas nossas crenças e, quando baseadas na realidade, agimos de maneira a levar em consideração a realidade, quanto mais baseadas em nossos sentimentos, mais agimos de forma aleatória à realidade e isso gera resultados desagradáveis, descontrolados e imprevisíveis criando uma vida caótica, em constante estresse e surpresa por acontecer os imprevistos. No extremo, a pessoa entra em alucinações e delírios que ignoram a realidade por completo fazendo a pessoa ser uma ameaça à si mesma, afinal, se ala acredita que pode voar porque a sua crença (desejo) a faz sentir ser verdade, ela tenderá a tentar voar. Contudo, sendo isso distante da realidade e o corpo restrito a esta, a pessoa pode se machucar seriamente ou até mesmo morrer.

 

Felizmente são poucas pessoas que chegam neste nível, contudo, há muitas que vivem em delírios suaves a vida inteira. São pessoas que acreditam serem importantes quando ninguém se importa com elas; pessoas que se acham perfeitas ou maravilhosas e que, por isso, merecem atenção e amor o tempo inteiro de todos ao seu redor, porém isso não acontece. São pessoas que acreditam que merecerão a felicidade se sofrerem muito, então se maltratam constantemente esperando que a felicidade chegará de alguma forma como recompensa. Há muitas pessoas que se acham especiais enquanto não conseguem ter uma vida equilibrada, controlada e satisfeita provando que elas não são tão especiais quanto acreditam ser. Muitos delírios. Delírios suaves. Delírios que não matam, mas maltratam os seus hospedeiros.

 

Quando a pessoa aceita a realidade e acredita na realidade, ela se planeja baseada na realidade, no que é possível e programado criando o próprio sucesso. Contudo,  para isso, é preciso aceitar que não tão importante, que não é tão especial, que não é tanto quanto acredita ser e isso costuma ser dolorido (psicologicamente) demais para muitas pessoas. Então, elas escolhem (inconscientemente) a segunda em vez da primeira vivendo na própria loucura que não se realiza na vida real. O tormento é a crença desencontrada com a realidade: ela se planeja e espera acontecer o que a sua crença prevê, no entanto, é surpreendida pela realidade que não se importa com suas ideias, desejos ou medos. Este é o baque que a pessoa sofre, que a pessoa sobrevive e que se mantém ao longo de sua vida porque ela mantém a sua crença ao longo da vida.

 

Isso tudo significa que as crenças nos são essenciais e que, portanto, lutar e morrer por elas nos é uma reação lógica e compreensiva. Portanto, matar para “defender” a crença não é um motivo torpe.

 

Tudo que consideramos comum, isto é, que sentimos, vemos como normais, comuns, padrões, médias e aceitáveis. Portanto, se somos pessoas ciumentas, ameaçar e matar por ciúme é aceitável; se somos pessoas possessivas, ameaçar e matar para manter a posse do outro é aceitável; se somos pessoas controladoras, ameaçar e matar para manter o controle sobre o outro é aceitável… E é dessa forma que criamos as leis, as penalidades e como julgamos os outros. Isso mesmo: julgamos os OUTROS com os NOSSOS sentimentos. Se sentimos o mesmo que outro, não o vemos como criminoso, mas como uma pessoa normal ou boa tal como nós somos (acreditamos ser), porém, se nos sentimos diferente, vemos o outro como mau e ruim e que deve ser penalizado.

 

Tudo se resume à empatia: se temos empatia pelo outro, nós o compreendemos e é com esta compreensão (nosso sentimento) que o julgamos. O que costuma acontecer é a compreensão gerar pena. De qualquer forma, a compreensão nos motiva a vê-lo como uma pessoa como nós e, se somos boas pessoas, pessoas normais, pessoas comuns, não somos criminosos e, assim, o outro também não o é. Portanto, os motivos torpes são os motivos que NÓS desprezamos por nos sentirmos diferente do outro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *