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Provando a existência de Deus através da “lógica”

Muitas pessoas acreditam em alguma divindade e isso não é problema. A criatividade bem como os pensamentos são livres para serem usados e criados. Contudo, quase toda a totalidade da criação humana na mente é feita de forma emotiva, isto é, são ideias que surgem a partir de um ou mais sentimentos, não de um pensamento lógico e coerente.

 

A criatividade é produtiva em muitas áreas da vida incluindo a ciência uma vez que usamos da criatividade para criar uma hipótese que possa explicar um fenômeno observado. Posteriormente, testa-se a hipótese para validá-la ou descartá-la. No primeiro caso, a hipótese se torna teoria, que é a explicação do fenômeno, enquanto no segundo caso a hipótese é um resultado que comprova que existe outra explicação sobre o fenômeno uma vez que o fenômeno existe e ninguém compreendeu ainda.

 

Livres para acreditarmos no que queremos e no que conseguimos imaginar, todos nós temos nossas crenças. O problema surge quando temos certeza de que nossas crenças são reais e, sendo reais, os demais devem concordar conosco e compartilhar da mesma crença.

 

Como visto em A confusão de um pensamento e Por que confundimos desejos com realidade?, o ser humano acredita que suas sensações sejam reais e, assim, as tomam como realidade e fatos. Logo, se a pessoa acredita em algo, ela não acredita, ela tem certeza de que este algo existe e, se ele existe, todos devem acreditar também.

 

Ademais, o ser humano é sociável e dependente da socialização. Queremos sermos amados e adorados pelos outros para termos o nosso espaço e importância no grupo visto que dependemos destes. Quanto mais gostam de nós, mais nos satisfazem e nos obedecem, o verdadeiro motivo pelo qual queremos ser amados. Toda a descrição sobre o assunto está em Hipocrisia: certa ou errada? Boa ou ruim? Por quê? Dessa forma, desejamos nos impor e impor as nossas crenças aos demais para que haja vínculo com eles e para divulgarmos a nossa “verdade” (interpretação sobre a vida; crenças). Além disso, impor as nossas ideias nos gera a sensação de poder e confiança, ambas sensações agradáveis, sendo outras razões pelas qual desejamos nos impor.

 

Isso significa que não queremos dar as nossas opiniões, queremos fazer com que os outros concordem conosco e as sigam também. Então, não buscamos explicar as nossas opiniões, mas procuramos argumentos que convençam os demais de que a nossa opinião é a certa e que, portanto, deve ser seguida. É por causa disso que existem as brigas: são pessoas lutando para provar quem diz a verdade porque todos devem acreditar nesta. Quando a pessoa vence uma briga, é vista como a correta, a sua ideia como verdadeira e ela mesma como uma pessoa com grande importância. E isso acontece sobre mitos religiosos: as pessoas não querem somente acreditar em deus, ou deuses de acordo com a crença pessoal, elas querem provar que estão certas e que, assim, as demais tenham de acreditar em seus mitos religiosos. Dessa forma, cria-se diversas formas de conseguir provar que a crença pessoa é verdadeira. Como o objetivo é fazer o outro acreditar, não provar que a crença esteja correta, todas as ferramentas que façam o outro acreditar são válidas. Dessa forma, manipulações, ameaças e confortos (oferecer esperança) são usados recorrentemente. Alguns tentam usar a lógica para atestar que a sua crença está correta e que, portanto, não é uma crença, mas um fato e é sobre isso que analisarei a seguir.

 

O pensamento sobre deus de forma “argumentativa” é de que “não é possível que algo tão grande, complexo e desconhecido tenha surgido ‘do nada”. Portanto, deve haver algo que o criara e inteligente e este algo é deus.”

 

Existem 2 premissas e uma conclusão:

Premissa 1: é preciso que algo crie o universo.

Premissa 2: nada surge do nada.

Conclusão: deus criou o universo.

 

Não existe menção adeus em qualquer premissa. Então, de onde este conceito surgiu? De algum pensamento diferente do pensamento lógico. Ademais, como sabemos que algo tenha de criar o universo?

– Por que não podem ser diversas reações que geraram o universo?

– Por que este algo deve ter criado o universo visando fazê-lo como ele o é?

A probabilidade e que não saibamos como o universo fora criado ou como foi feito é muito maior do que a probabilidade de que algo que criamos em nossas mentes e que não tenha qualquer indício de veracidade o tenha criado.  No entanto, como lidar com a sensação de que não sabemos? É confuso, é inseguro, é desconhecido. É mais agradável acreditar que algo o tenha criado porque isso gera um conforto, uma sensação de que há controle e ordem e, acima de tudo, de que há uma explicação que “conhecemos”. Neste processo de raciocínio emocional ou lógica emocional existem as premissas e a conclusão é a coerência (soma) das premissas explicando tudo sem contradição. No entanto, não existem fatos, apenas sentimentos e imaginação, e essa é maneira mais fácil de persuadir/convencer alguém de que algo seja real. Porém, se os demais não sentem os mesmos que nós, como persuadi-los a concordar com a nossa “ideia” (sensação)?

 

É por isso que muitas pessoas tentam criar um raciocínio para provar que a sua imaginação não é somente imaginação, mas uma lógica, uma conclusão sobre a realidade.

 

O raciocínio da pessoa é composto por duas partes com cada uma tendo suas premissas e conclusões. Na primeira parte, tem-se:

 

Premissa 1: tudo que existe é feito por algo.

Premissa 2: o universo existe/é algo.

Conclusão: alguém criou o universo.

 

Na segunda parte tem-se:

 

Premissa 1: eu sou (a espécie humana) inteligente.

Premissa 2: eu não entendo o universo.

Conclusão: alguém, mais inteligente que eu, criou o universo.

 

Análise:

 

A primeira premissa afirma que tudo é criado por algo, no entanto, a maioria das coisas e vidas são criadas por vários fatores numa reação complexa com muitos fatores e partes em sequência que tem como resultado a coisa ou a vida. Portanto, a primeira afirmativa está errada. Podem existir coisas criadas por algo, mas não são todas.

Tendo a primeira premissa inválida (não é real), todo o raciocínio que a usa como fundamento está igualmente errado.

 

Com isso, a conclusão está necessariamente errada por se pautar em uma premissa falsa.

 

Na segunda parte do raciocínio tem-se uma premissa falsa. Como sabemos que somos inteligentes? Como afirmar que somos inteligentes se não compreendemos o universo? Sem ter uma comprovação da premissa, esta se torna nula ou inválida, ou seja, não podemos contar como se fosse real/verdadeira.

 

Em seguida, tem-se a segunda premissa que pode ser verdade de acordo com a perspectiva da pessoa, o que torna a premissa uma opinião pessoal, não um fato que pode ser confirmado. Assim, nem todos podem fazer esta afirmação tornando a premissa inválida ou  nula e mentirosa para muitos que são adeptos a este “raciocínio”.

 

O que acontece neste raciocínio é a criação de premissas de acordo com os sentimentos da pessoa fazendo-as serem particulares e personalizadas.

 

Na primeira parte, tem-se:

Premissa 1: eu desconheço uma forma de criar algo sem que alguém tenha o criado.

Conclusão: alguém criou este algo.

 

A conclusão pode ser verdadeira se a premissa também a for. Contudo, não é um fato comprovado ou absoluto, é uma informação advinda de alguém sobre si mesmo, uma opinião sobre si mesmo. Ademais, se é preciso alguém para criar algo , quem criou o primeiro algo? Em outras palavras: se precisa de algo ou alguém para se criar algo ou alguém, e deus criou o universo, quem criou deus?

 

A própria premissa faz um looping, uma resposta sem explicação que apenas se reafirma mediante a crença de que seja real. Neste raciocínio, deus criou tudo. mas quem criou deus? Deus sempre existiu. A resposta da pergunta contradiz a premissa de que tudo foi criado por algo ou alguém, portanto, se descarto a premissa ao afirmar que ela não é verdadeira, como posso afirmar que ela é verdadeira para a primeira parte do raciocínio? A premissa é verdadeira ou falsa, não pode ser verdadeira quando se deseja ou falsa quando se quer que seja falsa. Para ignorar a contradição, o “raciocínio” que não encontra resposta apenas repete a ideia de que “deus sempre existiu e criou o universo” como se isso explicasse a ideia em si.

 

Em seguida, tem-se:

 

Premissa 1: desconheço como o universo tenha sido criado.

Premissa 2: sou inteligente e seu de tudo.

Conclusão: alguém, mais inteligente que eu, criou o universo.

 

Com premissas focadas na própria pessoa que as diz, são opiniões que a pessoa tem sobre si mesma, não fatos que podem ser comprovados por terceiros ou medidos com tecnologias. Todas as outras pessoas comprovam (acreditam) que a pessoa em questão é inteligente? Ainda que a resposta seja positiva, como validar e comprovar tal crença como um fato? Quais os testes feitos para comprovar a inteligência? Sem estas respostas, não é possível validar as premissas. Portanto, não podem ser premissas válidas porque premissas válidas são afirmativas verdadeiras.

 

A pessoa deseja tanto ser inteligente que se julga como tal bem como julga a espécie inteira como visto em Por que confundimos desejos com realidade e A confusão de um pensamento. Tendo a sensação de certeza proporcional à intensidade do sentimento, se a pessoa deseja muito ser inteligente, ela conclui com certeza de que o é. Sem qualquer prova, apenas opinião sobre si descartando a possibilidade de a sentença ser uma premissa.

 

A terceira parte do raciocínio é:

 

Premissa 1: não sei como alguém burro poderia criar algo que eu não entendo.

Premissa 2: sou inteligente e sei de tudo.

Conclusão: sou inteligente e não entendo como o universo foi feito, então algo mais inteligente do que eu deve tê-lo criado. Então, este algo é inteligente.

 

A primeira premissa já é fundamentada em opiniões: a primeira vinda da primeira parte em “não entendo o universo” e mais a opinião de “não entendo como alguém burro possa fazer o que eu mesmo não entendo”.

 

Mais uma vez são opiniões em vez de fatos que criam uma sensação de lógica no raciocínio enquanto não há lógica alguma por não haver fatos.

 

As premissas não são fatos, mas achismos, sentimentos, perspectiva limitada de uma pessoa. No entanto, são vistas como fatos. Por não serem fatos, fazem com que todas as ideias oriundas delas sejam igualmente achismos porque os fatos/resultados/conclusões se sustentam em fatos.

 

Ademais, a segunda premissa invalida a primeira. Como uma pessoa inteligente que sabe de tudo não entende o universo? Se a segunda for verdadeira, a primeira precisa ser necessariamente mentirosa. Portanto, a base do raciocínio já não tem fundamento para dar continuidade no mesmo.

Este raciocínio nada mais é do que “a única forma que consigo imaginar/entender/aceitar ser possível criar algo tão complexo, grande e que eu desconheço como o universo é tendo algo ainda mais complexo, grande, desconhecido e inteligente. Este algo mais complexo, grande, desconhecido e inteligente só pode ser deus porque deus é justamente a maior coisa que existe que controla tudo e cria tudo.” Isso mesmo, a “prova” de que deus existe é a maneira/explicação que a pessoa consegue imaginar ser possível explicar o que ela não compreende, ignorando a realidade e a própria limitação e criando uma ideia em que ela mesma consiga aceitar ou “entender”. 

Esse raciocínio é justamente a ideia de divindade que as pessoas têm: elas criam uma ideia que une duas observações ou dois fatos para que “encontrem” a ligação entre ambos em vez de admitir que que elas simplesmente não sabem. Este raciocínio está explicado em A lógica da divindade.

 

Observe que a mesma “lógica” que guiava as pessoas séculos atrás quando não se conhecia sobre os germes é usada igualmente na atualizada, ou seja, o pensamento não foi alterado, apenas atualizado com a descoberta dos germes.

 

Há alguns séculos, em locais sob domínio do catolicismo, o raciocínio era exatamente o mesmo:

 

Primeira parte:

Premissa 1: tudo é criado por algo.

Premissa 2: existe uma doença.

Conclusão: esta doença foi criada por algo.

 

A primeira parte faz sentido por não haver contradição alguma. Então tem a segunda parte:

 

Premissa 1:Desconheço como essa doença surgiu.

Premissa 2: sou inteligente e sei de tudo.

Conclusão: sou inteligente e não compreendo como a doença apareceu, então algo mais inteligente deve tê-la criado.

 

Novamente, há a contradição entre as premissas invalidando a conclusão porque não se pode saber de tudo ao mesmo tempo que se desconhece a criação da doença. Ainda assim, a pessoa continua e une as duas premissas contraditórias numa conclusão aparentemente lógica.

 

Qual é a diferença entre este pensamento de séculos atrás, onde afirmava-se que tudo tinha sido feito por deus, ou deuses, do pensamento atual que coloca todo o desconhecimento na conta divina? Nada.

 

Nós nos iludimos com as descobertas recentes que nos dão explicações e comprovações sobre os fatos nos gerando segurança, controle e confiança. No entanto, quando voltamos à mesma ideia de não saber sobre algo, agimos da mesma maneira afirmando que este algo seja obra divina. Até que a ciência prove e explique a sua criação e passamos a acreditar mais na ciência do que na divindade SOMENTE sobre este assunto recém-descoberto. Os demais permanecemos com a mesma ideia: tudo que existe e não compreendemos foi feito por deus. Os demais nós compreendemos, portanto, não foi deus.

 

Todas as descobertas passaram por essa rixa com a religião por conta deste motivo. A religião oferece uma boa sensação enquanto a ciência oferece explicação. Porém, com as pessoas tentando defender e provar que apenas uma está correta, fazem afirmações ilusórias e fantasiosas que caem por terra posteriormente. Tanto as crenças religiosas quanto as crenças científicas são crenças. Na ciência existem muitas pessoas que fazem afirmações infundadas, criam hipóteses que chamam de teorias e que, depois, se provam erradas. Por quê? Porque o mesmo tipo de cérebro e pensamento que cria a ideia de deus é o mesmo que cria as hipóteses, que afirma que são teorias e que defendem suas ideias com manipulações e outros meios.

 

Somos uma espécie, com um tipo cerebral, um comportamento próprio e uma forma de pensar básica e comum a todos da espécie. Como esperar algo diferente de pessoas iguais?

 

O ser humano é emotivo, não racional. O pensamento lógico é uma novidade e algo raro. Vivemos por instintos e sentimentos, não por lógica, mas tentamos desenvolver este tipo de pensamento. Criando pequenas alterações no raciocínio, manipulando algumas frases e trocando algumas palavras, conseguimos criar uma conclusão sem qualquer pingo de coerência. Mas, pelas pessoas terem pensamentos similares, elas conseguem acompanhar o “raciocínio” com todos os seus erros como se não existissem e acreditar que a conclusão está correta.

 

Como visto em Como explicar o que não se entende?, Ciência X Religião, A lógica da divindade, Falsa lógica entre premissas, A loucura de um desejo, Intelecto emocional e A estupidez humana o ser humano sente o ambiente com os seus sensores, julga sendo bom ou ruim, tem a sua opinião, que é exatamente o seu julgamento, e, daí, busca por argumentos que convençam os demais de que a sua opinião não é opinião, mas um fato e que, portanto, deve ser admitida e tida como verdade para todos.

 

Sejam bem-vindos à psicologia humana onde tudo se mistura e todos acreditam que suas opiniões sejam fatos.

 

Somos todos loucos. Algumas loucuras são compartilhadas e tidas como normais, o que as fazem serem vistas como reais. Outras são particulares e algumas são as loucuras mais insanas que daqui há séculos ou milênios serão provadas serem as mais sãs e coerentes que a humanidade já desenvolveu.

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