Ofensa
Ofensa é tudo que gera a sensação desagradável de humilhação, subestimação, vergonha ou inferiorização. Portanto, tudo que nos faz sentir menos queridos, menos capazes, menos desejados, menos do que acreditamos e queremos ser é interpretado como ofensa: uma tentativa de reduzir quem somos, o valor que (acreditamos) ter.
É com essa interpretação que interpretamos o mundo e as pessoas: baseado no que queremos, no que tememos e no que imaginamos ser. Portanto, tudo que nos desagrada é ofensivo.
As pessoas que se acham muito especiais ou importantes se sentem ofendidas quando as outras não a valorizam tanto quanto o que ela acha que merece ser valorizada. Isso significa que os demais têm o dever de achá-la tão especial e importante quanto ela acredita/deseja ser. Caso contrário, ela compreende ser ofendida pelos demais e, assim, culpa os demais por sua insatisfação visto que são os outros que a ofendem. É dessa forma que pessoas que não sabemos que existem ou que são irrelevantes para nós sentem tanta raiva e ódio de nós: justamente por nos serem irrelevantes. Em outras palavras, se não agirmos como a pessoa deseja, ela compreende que estamos ofendendo-a e machucando-a de propósito, portanto, devemos ser corrigidos, ou seja, não agir conforme a crença alheia significa guerra para esta pessoa e, assim, não existe a possibilidade de respeito.
Se a pessoa se julga ser mais importante que as demais ou que merece mais atenção ou mais oferendas do que as demais, todas que tiverem mais importância, atenção ou oferendas são pessoas que a ofendem e, portanto, pessoas que devem ser punidas por humilhá-la.
Pessoas que possuem vidas independentes e que não dão importância para quem se julga ser importante não são meras ameaças, são inimigas da verdade que devem ser detidas para proteger e sustentar a verdade. Então, respeitar o que as pessoas pensam não é uma opção visto que os pensamentos alheios englobam os demais.
Esse comportamento foi visto na época da inquisição, das cruzadas e colonização. Pessoas que levavam a “verdade” eram as corretas e quem não concordasse eram as erradas que deviam ser punidas. Como aceitar (respeitar) uma pessoa que acredita que deve salvar as demais fazendo-as se comportar de uma forma específica? Se provas ou argumentos, a imposição era feita pela força e pelo medo, maneiras de punir aqueles que as não respeitam e que são inimigos da “verdade”.
Desejamos acreditar que as histórias horripilantes do passado tenham passado e que não existem mais porque não queremos viver naquele mundo de medo e dor. No entanto, agimos exatamente da mesma maneira: acreditamos que quem não concorde conosco estejam errados e que devem ser consertados para aceitar a verdade. Nós evitamos a violência física, muito usada nestas histórias que tememos, mas usamos de outras táticas e técnicas para conseguirmos fazer com que o outro nos obedeça.
Jogos sociais, manipulações, chantagens, ameaças e tudo o mais que conseguimos usar é usado para os nossos fins porque defendemos a verdade (nossa opinião) por ser parte de nós. Então, quando alguém discorda de nós é o mesmo que ouvir “você está errado” e nós nunca estamos errados, estamos sempre certos (em nossa perspectiva). Aceitar que erramos é aceitar que não podemos confiar em nós mesmos, em nossas ideias, então a sensação de insegurança chega forte e nos derruba. É para evitar essa sensação tão desagradável que lutamos bravamente e sempre por nossas ideias, sejam reais ou imaginárias.
Quando desejamos algo, tentamos por métodos mais brandos. Contanto, quanto mais o outro resiste, mais agressivos ficamos e a conversa que foi iniciada com “pode fazer isso para mim por favor?” se transforma em “você é uma boa pessoa, então deveria atender o meu pedido”, que passa a ser “você é uma pessoa ruim”, depois para “se você não fizer eu vou contar a todos que você é uma má pessoa”, então para “se você não me obedecer eu vou quebrar a sua casa”, depois para “se você não fizer isso eu vou lhe machucar” (com uma tesoura ou faca na mão), então chega no primeiro empurrão, no primeiro tapa e numa briga física.
Por não queremos acreditar que funcionamos assim, nós afirmamos que não somos assim. Mas os xingamentos, as brigas conjugais, as lutas nos congressos, as calúnias e difamações, atitudes corriqueiras na vida humana, são exatamente essa natureza nossa em que o que acreditamos seja verdade ao ponto de tentarmos ignorar o que não se encaixa na “verdade”. Se não for possível ignorar, então tentamos eliminar a ameaça ou o inimigo da “verdade”.
Quando o pensamento é somente sobre si mesmo sem exigir de qualquer pessoa, é passível de ser respeitado. Se uma pessoa acredita ser a mais linda do planeta e não exige que essa ideia seja repetida por outras, ela pode manter a sua opinião sem ter qualquer atrito para com os outros. É por isso que crenças religiosas que se focam na melhoria pessoal coexistem de forma pacífica. Contudo, somos sociáveis e, portanto, criamos expectativas, ideias e interpretações que exigem ou esperam determinados comportamentos alheios e é por estes que lutamos com os outros: para que eles se comportem conforme nós desejamos, nós esperamos, nós acreditamos ser o certo.
Onde está o respeito? Em lugar nenhum. É somente uma palavra bonita tal como amor que representa sonhos daqueles que as proferem sem saberem seus reais significados. Se analisados e estudados, vê-se que não representam esse ideal que sonhamos porque, ao serem implementados na prática, são limitados à realidade e a realidade não é ideal, apenas real.
No mundo ideal todos seriam felizes para sempre. Todos os desejos seriam satisfeitos e não haveria nenhum sentimento desagradável. No ideal nós podemos sonhar e criar cenários onde temos tudo o que desejamos, contudo, não podemos controlar o mundo inteiro como fazemos neste exercício de imaginação.
Uma praia pode ser perfeita e paradisíaca com águas claras, sol num céu limpo, com areia branca e brisa suave. Mas a realidade é que existem nuvens em movimento, o sol pode ser muito forte e nos queimar ou machucar a nossa visão, a água pode ser gelada e pode ter lixo na areia grossa que machuca a pele. Como transformar o real em ideal? Podemos mudar algumas coisas, mas não todas. A água permanecerá gelada, o sol continuará forte e o vento pode acabar. Os mosquitos podem nos picar e a ausência de outras pessoas significa não ter oferta de alimentos ou bebidas, o que são indispensáveis ao ser humano. Portanto, este cenário pode ser perfeito somente na imaginação. Contanto, como é algo que não desejamos intensamente (precisamos) e não temos como ignorar a realidade por nos gerar malefícios, nós a aceitamos. Porém, como acontece quando o assunto é sobre algo mais abstrato e invisível?
Podemos imaginar as pessoas bondosas, gentis, felizes, produtivas e disponíveis para nos ajudar. Mas as pessoas têm suas próprias necessidades, seus medos, suas responsabilidades e seus compromissos. Muitas vezes não estão felizes por desejarem algo que não possuem, visam a própria felicidade em vez da felicidade de outrem e não ríspidas por terem medo ou por não ligarem para as desconhecidas. Podemos lutar contra isso afirmando que as pessoas são como desejamos que sejam e exigir que ajam de tal maneira, no entanto, assim como nós temos os nosso ideais e lutamos por eles, as demais também possuem os seus e lutam por eles tentando impô-los aos demais incluindo a nós. Dessa forma, é impossível não haver briga e viver uma vida em completa paz: vivemos em grupos e cada componente do grupo luta para si.
A ideia de respeito é de aceitar a todos como são sem brigar com ninguém. É a utopia onde todos são felizes e se dão bem. Contudo, vivemos na realidade, não na fantasia e as pessoas são diferentes bem como dependem umas das outras. Como aceitar uma pessoa que acha certo matar quem não concorde com ela? Como respeita uma pessoa que acredita que um grupo social deva lhe servir? Estas perguntas são fáceis de responder para algumas pessoas na atualidade, contudo, podemos levar a mesma ideia e avaliação para outros assuntos.
Onde está o respeito ao exigir que o cônjuge seja fiel sexualmente? É desrespeitar a liberdade de ele ficar com outras pessoas porque desejamos ser únicos e especiais para ele, logo, nós criamos uma ideia sobre o que queremos ser e exigimos que o outro se comporte como tal para sentirmos que esta ideia é real, não apenas uma ideia.
Onde está o respeito ao exigir que os filhos obedeçam e estudem? É desrespeitar a vontade do filho e ignorar as suas ideias ao exigir que obedeçam. É uma tirania.
Onde está o respeito quando alguém afirma que devemos agir de uma forma que não concordamos? É desrespeito a essa pessoa.
Respeito é uma palavra que, para quem diz, significa “não me atrapalhe” para que não ouça contra argumentos e, para quem ouve, significa “não me importo com a sua informação, eu mantenho a minha apesar de tudo que comprove o oposto”. Em outras palavras, é uma maneira de abortar a discussão para evitar lidar com a realidade que não é o que acreditamos ser, mas o que é.
Podemos respeitar as pessoas parcialmente, somente nos assuntos que não nos incomodam. Quando o outro deseja impor alguma ideia que discordamos, lutamos para defender a nossa ideia e não acatar às ordens alheia e, portanto, desrespeitamos a crença dele.
Algumas pessoas buscarão alguma brecha e exemplo para provar que isso não é verdade porque desejam que o respeito seja algo possível. Porém, onde está o respeito à liberdade de a pessoa fazer o que quiser se há leis que a limitam e a punam se não agir de uma forma estabelecida? Onde está o respeito pelo indivíduo quando exigimos sermos amados e cuidados? Onde está o respeito quando nos fazemos de vítimas e exigimos, por chantagem, que o outro nos satisfaça? Onde está o respeito quando há imposição de regras para comer ou se vestir?
Não podemos andar pelados com qualquer roupa que escolhemos. Não podemos andar pelas ruas, usar armas de fogo ou entrar em qualquer estabelecimento. Temos regras e regras são limitações individuais prezando o coletivo. Nem mesmo a nossa individualidade é respeitada porque não podemos nos mutilar, nos matar ou cortar algum membro. Quando agimos com essa liberdade, somos pegos e “tratados” para não queremos exercer tal liberdade.
Da mesma maneira que os outros podem escolher o penteado e as roupas que usam sem que nós os reprimamos (muito), poderíamos escolher como queremos o nosso corpo, com quais membros, como e onde e até mesmo se queremos este corpo. Contudo, respeitar as roupas alheias é fácil porque não nos afeta, mas ver uma pessoa sem uma perna ou sem braço nos incomoda, principalmente porque acreditamos que todos desejam ter todos os membros, então, ver ou mesmo saber de alguém que escolheu ficar com menos membros é algo que afeta a nossa crença (de que todos queiram todos os membros do corpo) bem como nos afeta visualmente porque não nos sentimos felizes ao ver outra pessoa “incompleta” (em nossa percepção). Portanto, não temos a liberdade de fazer o que queremos e não temos o respeito para fazermos o que queremos conosco mesmo.
Vivemos em sociedade, o que implica que devemos tentar manter relacionamentos benéficos e abrandar os maléficos para gerar uma sensação confortável e agradável para todos (a maioria). Então, se fazemos algo que incomoda muita gente, somos reprimidos e sancionados, formas de persuasão e manipulação para que ajamos como os outros querem.
Essa exigência de conduta existe em tudo que fazemos. Como nos comportamos, falamos, vestimos e nos relacionamos. Quando agimos de forma muito diferente da esperada ou desejada, sofremos com sansões que podem ser uma recriminação pelo olhar, uma fofoca ou a exclusão de um grupo. Quando agimos como os outros desejam, ganhamos importância e valor.
Em Ideais no cotidiano vê-se com mais clareza como as pessoas lutam o tempo inteiro para que as demais ajam da forma que elas desejam e acreditam ser o correto. Se acreditamos que mulheres devam ser delicadas e bonitas, incentivamos àquelas que sejam assim e criticamos quem aja diferente. Assim, as mulheres fortes e que não prezam por sua beleza são linchadas socialmente (fofocadas), evitadas e excluídas enquanto as primeiras são desejadas, valorizadas e elogiadas. É assim que incentivamos cirurgias plásticas para transformar o corpo feminino naquilo que consideramos feminino, reforçando as características que prezamos ao mesmo tempo que condenamos (criticamos) que use as cirurgias plásticas para reforçar traços não desejáveis aos outros e assim criamos as regras (permissões) com suas punições (proibições) e chegamos no ponto em que mulher aumentar os seios e reduzir a cintura é aceitável e incentivado, mas a mulher que deseja reduzir os seios (para não tê-los) e alargar os ombros são criticadas por ser uma característica apreciada (pela maioria/dominância) nos homens.
Se avaliarmos a ideia de respeito, qual é o problema de uma mulher se vestir como homem e uma homem se vestir como mulher? Os corpos são deles tais como as roupas. Contudo, vê-los vai contra a nossa ideia do que seja certo (nossas crenças e sentimentos) e por conta disso criticamos. Criticamos pessoas que não se envolvem em nossas vidas por se vestirem de uma forma que não gostamos tal como muitas pessoas criticam e lutam com aqueles que não as julgam como as melhores pessoas do mundo no primeiro exemplo. Onde está o respeito?