Não existe machismo, feminismo, homofobia, outras “fobias” ou “ismos”. O que existe são seres humanos buscando que se desconhecem e que possuem ampla criatividade. O resultado é a expressão dos sentimentos através de ideias que são organizadas (ou pelo menos tentamos organizar) em forma de palavras. Em vez de falarmos “não gosto disso”, dizemos “isso é ruim e o que é ruim deve ser abolido”.
Usamos os recursos que temos para obter prazeres, o objetivo de nossas vidas. De alimentos e segurança, prazeres relacionados diretamente com a expectativa de vida iminente, a prazeres emocionais e intelectuais, nós os buscamos sempre. Sem saber o que sentimos, dizemos o que acreditamos ser real (nossos sentimentos distorcidos em forma de ideias). Por quê?
Premissa 1: Não somos autossuficientes. Precisamos de outras pessoas para sobrevivermos.
Premissa 2: Somos emotivos uma vez que são emoções que nos motivam a agir visando algo que acreditamos que nos satisfará.
Conclusão: buscamos satisfação (inclusive a emocional) através de nós mesmos, porém, quando não a conseguimos, procuramos em outras pessoas.
Diante da vontade de se sentir bem e valorizado, o ser humano usa de todos os seus truques para conseguir tal sensação. Ser produtivo é uma das maneiras, porém, se comparar com pessoas com menos valor é uma técnica rápida, simples e eficiente para atingir o objetivo. Desta forma, hipervalorizar a si mesmo e menosprezar o outro é uma forma rotineira de conseguirmos essa sensação porque, ao nos compararmos com o outro que é muito menor que nós, concluímos que somos muito bons e ficamos felizes e satisfeitos com isso.
Dessa forma, podemos criar diversas ideias que nos coloquem para cima como a ideia de que mulher valha mais do que homem; que mães sejam superimportantes; que professores tenham uma atividade crucial nas vidas das pessoas; que crianças devam brincar em vez de aprender ou trabalhar; que a vítima deva ser ajudada; que os mais ricos devam doar suas riquezas; que dinheiro seja o objeto mais importante da vida; dentre outras. Basta nos ver de uma determinada forma e afirmar que esta determinada forma seja a mais importante de todas. Pronto, conseguimos afirmar que somos importantes sem fazer nada para provar o nosso valor.
Assim, se desejamos receber doações e ajuda, afirmamos que os ricos devam nos ajudar e doar suas riquezas;
– se somos mulheres e desejamos ser valorizadas, afirmamos que as mulheres são melhores do que os homens;
– se somos professores, afirmamos que exercemos a profissão mais importante do mundo;
– se somos vítimas, dizemos que as vítimas devam ser ajudadas (porque é o que desejamos para nós);
– se somos mães ou idolatramos nossas mães, afirmamos que mães sejam pessoas sagradas e perfeitas;
Para cada desejo, uma ideia construída para satisfazê-lo. Após criarmos a nossa opinião e a alegarmos ser um fato, passamos para a próxima fase: proliferação. Neste momento, afirmamos para todos que nossas opiniões sejam fatos e que, portanto, devam ser aceitos, repetidos e divulgados fazendo com que um grupo passe a contemplá-las e ajam de acordo com este novo “fato”.
Contudo, o fato em si é que o indivíduo não consegue se satisfazer por si mesmo. Temos pouca autossuficiência, o necessário para não sermos completos inúteis, no entanto, precisamos dos outros e realizamos trocas chamadas de relacionamentos como forma de conseguirmos o que desejamos.
A socialização, característica necessária à vida do ser humano tanto quanto uma necessidade pessoal de satisfação, é a maneira eficaz que a espécie desenvolveu para satisfazer os indivíduos e, assim, o grupo (coleção de indivíduos) prosperar.
Chamamos de troca quando as fazemos sobre objetos visíveis e concretos, de fácil percepção, e de relacionamento quando as trocas são realizadas de forma emocional. Assim, trocamos satisfações emocionais com os outros sem percebermos. Ademais, como supervalorizamos os relacionamentos e acreditamos que as trocas não sejam tão necessárias, apenas detalhes supérfluos, concluímos que relacionamento sejam muito mais do que trocas. Curiosamente, não sabemos definir o que é um relacionamento. Porém, nos é tão importante que afirmamos que sejam de suma importância, tão importantes que não existe uma definição para tais e isso nada mais é do que uma opinião, uma sensação que temos, longe de um fato concreto.
Essas pequenas distorções criam ideias distantes da realidade que se proliferam no mundo da imaginação daqueles que as desejam intensamente. Quanto mais desejamos algo, mais acreditamos que este algo seja real porque alimenta a nossa esperança de que um dia possamos tê-lo e sermos felizes. É uma só uma forma de alimentar esperança de sermos felizes em algum momento.
Mas, o que nos faz feliz?
A felicidade é a satisfação, o prazer, o oposto do desprazer, portanto, tudo que nos gera bem-estar é a felicidade. Como mudamos o tempo inteiro por não sermos constantes, a felicidade também muda. Hora a felicidade é se alimentar quando se está com fome; hora é transar quando se tem tesão; hora é ganhar dinheiro quando o se deseja; hora é pagar as contas; hora é se sentir importante; hora é receber elogios; hora é ser paquerado; hora é passar numa prova… A felicidade é ter o que desejamos e sentirmos bem-estar com isso.
Para muitos, a felicidade é ser bem-visto pelos demais porque preza por sua imagem social e deseja ser admirado, desejado e idolatrado. Para pessoas assim, se mostrar sempre angelicais, solícitas, protetoras e perfeitas é de suma importância porque é a maneira que conquistarão o seu objetivo de serem amadas pelos outros. Como os outros buscam satisfação assim como nós, ofertar prazer e alimentar esperança são as maneiras mais eficientes de sermos amados por eles. Portanto, devemos mostrar que somos o que eles desejam o tempo todo para que nos amem.
Mas, por que desejamos sermos amados?
Visto que somos dependentes dos outros, precisamos deles para conseguir o que queremos. As pessoas que nos amam, que nos valorizam, fazem o que queremos satisfazendo as nossas vontades e, assim, conseguimos o que queremos. Por isso sermos amados é tão importante: não queremos ser amados em si, queremos o resultado de sermos amados: a obediência opcional, quando a pessoa obedece às nossas vontades sem que tenhamos de ameaçá-las para tal.
Esta é uma técnica muito usada por pessoas extremamente improdutivas. Sem conseguir o que desejam, buscam manipular os outros para que estes as obedeçam. No entanto, esta técnica funciona melhor para trocas objetivas. Para os relacionamentos, esta técnica também favorece aqueles que deseja ser endeusado, contudo, a forma mais eficiente para se sentir valorizado em relação ao outro é humilhá-lo enquanto se supervaloriza. Dessa forma, ao se comparar obtém-se uma conclusão de que somos muito melhores porque a diferença é muito grande e, assim, conseguimos a satisfação emocional de “sermos” boas pessoas, produtivas ou importantes. Isso tudo sem fazer nada para de fato aumentarmos a nossa importância.
Criar grupos é outro método para elevar a autoestima: ao conseguir pessoas que o seguem, o indivíduo sente que tem poder sobre elas e, tendo-as sob o seu domínio, tem um poder maior de ação visto que tem o seu, individual, e os dos demais, somando todos. Dessa forma, a criação de grupos é uma das táticas mais bem desenvolvidas pela espécie razão pela qual é fundamental para o ser humano.
Pertencer a um grupo não é somente não ficar sozinho, mas sentir que tem apoio, que é valorizado, que tem mais poder por ter mais pessoas ao seu lado lutando por suas vontades. É uma estratégia elaborada e vista em outros primatas. Com um grupo grande, a força é maior do que a de um indivíduo e liderá-lo é fazê-lo obedecer aos seus comandos. Dessa forma, o indivíduo fica mais forte do que se manter solitário e consegue brigar e ganhar de outros grupos mais fracos fazendo-os se submeterem e satisfazer os seus desejos.
Manifestações são exemplo dessa união de indivíduos sem poder onde várias pessoas se unem afirmando que têm algum direito, o qual nada mais é do que exigir que alguém satisfaça as suas vontades. Afirmar que se tem direito à assistência médica significa exigir que alguém pague por tais serviços que o grupo utilizará, em outras palavras, o grupo se impõe sobre os demais fazendo-os obedecê-lo.
Como a maioria das pessoas possuem pouco valor social, recorrer à formação de grupos é um comportamento rotineiro encontrado na espécie. Já quem tem uma valor social mais alto do que o padrão ou não se importa se fazem parte de algum grupo, não investem seu tempo e energia em relacionamentos múltiplos, criação e manutenção de grupos. Elas ficam bem com poucas pessoas e em suas próprias companhias, portanto, são pessoas mais independente no quesito social.
Outras técnicas como chantagens, ameaças, brigas, guerras, persuasão, manipulação e vitimização, dentre outras mais, também são usadas com frequência e uma prova disso são as brigas comuns entre as pessoas, incluindo amigos e casais.
As pessoas batalham para se impor e fazer os outros concordarem e agirem como desejam. É raro encontrar pessoas que desejam compreender a opinião do outro. De modo geral, elas querem que os demais concordem e, se isso não acontece logo, as técnicas são implementadas gradualmente. Quanto mais resistência o outro demonstra ao permanecer discordando, mais intensa e violenta é a técnica empregada.
Primeiro se começa com uma pergunta, “você concorda?”, depois começa a persuasão com explicações parciais e distorcidas da realidade. A manipulação surge em seguida e, se ainda não conseguir o objetivo, continua a progressão e táticas com chantagens e ameaças que vão das mais sutis e imperceptíveis para as mais evidentes e violentas. “Se você não concordar, não falo mais com você” é uma ameaça sutil que nem percebermos ser ameaça. “Se você não fizer o que eu faço, contarei a todos que você não é uma boa pessoa”, outra ameaça que não compreendemos como tal. “Se você não concordar, jogarei uma pedra em você”, uma ameaça “real”, que compreendemos como tal. “Se você não me obedecer, eu vou lhe matar”, uma ameaça que compreendemos como ameaça.
Quanto mais intenso for o prejuízo caso não obedeçamos, mais compreendemos ser uma ameaça e o ser humano usa tanto deste artifício por ser eficaz que as leis são criadas dessa forma. Caso alguém desobedeça a lei, terá uma punição – uma ameaça clara. No entanto, por vivermos neste sistema acreditamos ser normal e acreditamos que o normal seja o certo, logo, não vemos como ameaça porque acreditamos que ameaça seja ruim e as leis sejam boas.
Com isso também é possível compreender como tantas pessoas vivem em relacionamentos ruins sem perceber: elas vivem aquilo há muito tempo, então é normal e, sendo normal, é o certo. Daí que permanecem em situações que, pessoas que olham de fora compreendem os erros e a violência enquanto a pessoa acredita que não há violência porque violência é algo ruim e o que elas vivem é normal/certo/bom.
O ser humano é um ser extrativista: extrai o que deseja de onde ou de quem quando tem o poder para tal e é assim que nos impomos sobre os outros. Quanto podemos, nos impomos e mostramos quem somos, quando não podemos, nós obedecemos para evitar que o outro nos prejudique, isto é, reagimos a uma ameaça.
O poder é a capacidade de ofertar algo valioso. A outra pessoa, desejando o que ofertamos, satisfaz o nosso pedido, no entanto, insatisfeita de ter de fazer o que não quer para conseguir o que o outro oferta lhe confere a sensação de falta de poder, falta de opção e sensação de opressão. Embora tenha a possibilidade de recusar a troca, ela deseja tanto o que o outro oferta que aceita as condições dele. Ela consegue o que deseja, tendo uma satisfação, porém o custo para isso é alto, uma grande insatisfação. Ainda assim, o resultado final é positivo, porém é pouco.
A sensação de poder é justamente isso: sentir que pode ter o que quer por ter quem o realize. A outra opção é pela capacidade própria onde a própria pessoa satisfaz as suas vontades. Nesta opção, a pessoa não precisa de outras para se sentir poderosa e confiante.
O mais comum na espécie é de indivíduos sem poder (de troca). São pessoa com poucas ofertas ou ofertas sem valor e que desejam muito. Elas ofertam o que tem, ainda que a contragosto, para obterem o que desejam e essa relação pode ser vista nas relações de trabalho onde uma pessoa trabalha não gostando de trabalhar para obter o salário após o serviço, o que deseja. O resultado é positivo, no entanto, é custoso por ter de realizar uma tarefa que desgosta. Assim, a pessoa se sente sem poder, sem confiança e oprimida. Em nenhum momento ela foi escravizada. Ela sempre tem a opção de procurar outro emprego ou se demitir, no entanto, o desejo pelo dinheiro é tanto e a sua confiança em si mesma (produtividade) é tão baixa que ela não percebe tais opções e conclui que não há outra opção. Sem outra opção, ela é “forçada” a fazer o que não quer para conseguir o que quer.
Quem não tem poder inveja quem o tem porque deseja trocar de posição e mandar em vez de obedecer já que o ser humano busca o prazer em vez do trabalho. A insatisfação por “ter de obedecer” é um grande incômodo, principalmente para pessoas que acreditam ter um alto valor enquanto os demais não concordam com esta opinião. A pessoa se sente oprimida em ter de fazer o que o outro pede por não enxergar outra opção além de se sentir desprezada por não ser reconhecida pelos outros tal como ela acredita merecer.
Essa perspectiva cria raiva ao culpar os outros por sua insatisfação. A pessoa enxerga que os outros a desmerecem e a humilham de propósito como se fosse uma guerra em que os demais desejam matá-la. Sem capacidade de revidar de maneira a não ter consequência, a pessoa guarda o seu sentimento. Entretanto, ao conseguir poder ela sente mais confiança para agir como deseja porque será aceita uma vez que os demais a desejarão e farão tudo por ela exatamente como acontece com ela em relação a quem tem poder sobre ela: ela obedece.
Esse conteúdo pode ser mais bem visto em O poder corrompe? e Reconhecimento.
O relacionamento ideal é aquele em que oferecemos o que gostamos de fazer e recebemos o que queremos por isso. Temos satisfação em ambas as etapas de dar e receber. Contudo, isso é ideal, o que desejamos, não a realidade.
A distorção da realidade de quem cria os sentimentos em nós permite que culpemos outros por tal. Em vez de percebemos que nós somos os incapazes de conseguir o que queremos, nós mantemos a crença de que somos capazes, mas como não temos o que queremos, procuramos alguma desculpa para manter esta crença de capacidade em nós mesmos. Assim, criamos a ideia de que os outros não jogam direito, que os outros não nos reconhecem, que outros… Sempre os outros para não lidarmos com a realidade de que nós somos os incapazes.
Fazemos isso porque sentir e acreditar que somos capazes nos faz bem. Então, fazemos o que podemos para manter essa crença viva, mesmo que sempre haja provas contrárias. É assim que criamos as ideias e as falamos com convicção. Não achamos que somos importantes, nós SOMOS importantes e os outros que não percebem.
É mais fácil e agradável culpar outro. Além disso, conseguimos direcionar a raiva para o outro em vez de para nós mesmos o que evita muitas sensações desagradáveis. Não temos como evitar a nós mesmos tal como podemos evitar quem nos incomoda. Então, ter um relacionamento consigo mesmo constantemente é uma obrigação e tê-lo bem é melhor do que tê-lo mal. Portanto, acreditar que somos bons é agradável e brigar com tudo e com todos que provem o oposto do que acreditamos é uma saída melhor. No entanto, o efeito é momentâneo e fugaz já que a vida real e concreta é resultado do que fazemos, não do que imaginamos.
Curiosamente, todos esses sentimentos acontecem quando estamos sozinhos. A diferença é que não temos como culpar terceiros pela vida que temos, o que nós fazemos. Este é um dos motivos pelo qual viver na solidão seja tão terrível: temos de aceitar que somos quem não queremos ser por não termos outra pessoa para culpar por nossas mazelas. Embora a sensação seja a mesma, como não temos a quem culpar, não podemos afirmar que somos oprimidos e obrigados a fazer o que não queremos. Por isso que a sensação de opressão ou liberdade existe somente em um contexto social porque somente neste podemos culpar o outro.
Criamos ideias que desejamos que sejam verdade. Elas representam o nosso ideal, não o real. O machismo mostra como os homens (que acreditam no machismo) desejam ser vistos como fortes e imponentes; o feminismo mostra como as mulheres querem ser vistas com mais importância; a homofobia mostra que pessoas homofóbicas não gostam de imaginar cenas sexuais com pessoas do mesmo sexo. Tudo mostra os desejos daqueles que afirmam tais ideias, não a realidade em si.
Ainda que muitos homens desejam serem vistos como fortes e serem desejados, todos os indivíduos que apresentarem capacidades incríveis aparecerão e ganharão notoriedade independentemente do sexo que tenham porque o resultado de sua produção não é resultado do seu sexo, mas de suas habilidades.
Não importa a época, o lugar ou qualquer outra coisa: todos que se sobressaem estão acima dos demais por terem resultados melhores e desejados pelos outros e é isso que os torna mais importantes e com mais valor.
Você quer ter mais valor? Produza algo que muitas pessoas desejam!
Todos somos livres. Somos vítimas da não aceitação de nossa incapacidade.
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