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O “eterno” normal

O ser humano se acostuma rapidamente, principalmente com itens que facilitam a sua vida e lhe promova prazer.

A energia elétrica é algo novo na história humana, contudo é tida como rotineira e tão básica em nossas vidas que temos dificuldade para imaginar a vida sem este precioso item bem como não cogitamos a possibilidade de não tê-lo mais. Simplesmente nos adaptamos a tê-lo sob nossa vontade tudo que seja diferente disso não é questionado de nenhuma maneira, desde o seu efeito em nossa rotina, passando pelo preço de tê-lo e chegando até a possibilidade de sua escassez ou falta.

Talvez alguns digam que é porque passou a vida toda assim, já que a eletricidade e o seu controle existe há muito tempo se comparado com a expectativa de vida. No entanto o motivo não é por termos crescido com esse item que nos leva a ter esta percepção.

A popularização da internet e suas derivações são um exemplo de que esta adaptação não leva uma vida para acontecer, mas pouco tempo. A internet surgiu sendo a linha telefônica (discada). Depois passou a ser banda larga e agora está em aparelhos móveis e pelos locais sem fio, desde residências, lojas, shoppings e ruas.

Nos comunicamos através da internet, nós nos localizamos pela internet e fazemos outras coisas com ela. Este item se tornou tão comum no cotidiano que nos perdemos e nem sabemos em chegar em nossos lares sem este precioso item. Embora tenhamos passado pelo tempo de sua ausência, não conseguimos imaginar voltar ao mesmo. Conseguimos imaginar como seria voltar a fazer pesquisas em bibliotecas, estudar em cursos e escolas presenciais, pesquisar preços de produtos indo pessoalmente até as lojas, decorar telefones e rotas para chegar onde desejamos? A mesma geração da espécie passou por estas duas partes, com e sem internet fácil, e já se adaptou ao ponto de não conseguir cogitar a vida sem este item. Prova disso é quando as redes sociais saem do ar. Não é a internet, apenas as redes sociais. As pessoas reclamam, ficam apavoradas por não poder fazer “contato com o mundo” e a vida trava porque já depende demais desta ferramenta.

A adaptação a facilidades é rápido. Poucos anos é o suficiente para que mudemos a nossa estrutura de viver e não pensar mais como antes. Essa mudança é tão “forte” (rapidamente absorvida) que a consideramos normal e básica e o que é básico é considerado inalterável. Dessa maneira achamos que não ter internet como na atualidade seja impossível, que não ter energia elétrica, água encanada e tratada, ofertas constantes de alimentos, roupas e outros produtos seja vitalício sem a possibilidade de falta.

Acontece que tudo isso só existe porque a espécie mantém dessa maneira. São os inúmeros cidadãos que trabalham sem que percebamos que nos oferece tudo isso que estamos acostumados. Quantas pessoas produzem encanamentos e quantas outras os montam para direcionar água para nossas casas? Quantos trabalham no tratamento da água para que chegue boa e saudável? Quantas pessoas trabalham nas companhias elétricas, fazendo manutenção e criando redes para levar a energia elétrica para mais pessoas, além de consertarem a rede sempre que há algum problema? Quantas pessoas produzem alimento, desde criações de animais e plantas, passando pelo seu armazenamento, cuidado, transporte e distribuição em mercados para que nós, cidadãos, tenhamos as opções disponíveis? Quantas pessoas trabalham nos mercados para unir diversos produtos num único lugar e assim evitemos ir em diversas lojas pequenas para comprar o que desejamos? Quantas pessoas trabalham em fábricas produzindo pães, bolos, massas e outros em vez de nós fazermos por nós mesmos? Quantas pessoas trabalham no sistema de transporte gerando a oferta que temos hoje?

Toda a facilidade que temos hoje é fruto do trabalho de muitas e muitas pessoas. Se elas pararem de fazer o que fazem nós sentiremos a falta em forma de falta de produto, aumento do preço ou outra situação que nos incomode.

Assim como nós, individualmente, trabalhamos e produzimos, os demais o fazem. Nós podemos parar de trabalhar ou mudar de ramo. O impacto nas outras pessoas será pequeno porque nós como indivíduos somos pequenos em relação à comunidade da espécie. Contudo se grupos grandes fizerem o mesmo o impacto é grande na comunidade e nós sabemos disso. Fazemos manifestações e greves exatamente por isso, aumentando o número de indivíduo em nossa causa, causando prejuízo a outrem para que tenhamos atenção.

A nossa vida fácil não é fácil por ser fácil. Ela está fácil porque as pessoas estão organizadas de maneira a prover toda essa facilidade. Se as pessoas se mudarem para os campos, por exemplo, diversos produtos deixarão de existir, uma vez que são produzidos em cidades e grandes empresas. Assim a rotina que usa desses produtos acabará e o cotidiano será alterado.

A facilidade da vida de hoje é devido não apenas à produção de tecnologia, mas à popularização da mesma por ser produzida em grande escala pela espécie.

Tecnologia não é apenas internet, algo ainda novo. A tecnologia é tudo que não seja produzido 100% pelo indivíduo. Tecnologia é a farinha de trigo pronta para uso e enriquecida com vitaminas para diminuir a desnutrição; tecnologia é a cadeira que sentamos todos os dias; tecnologia é o fogão que liga e desliga quando desejamos e a geladeira que mantém os alimentos conservados por mais tempo; tecnologia é remédios cada vez mais baratos e com mais opções; tecnologia é ter exames possíveis de serem realizados e que são barateados com a produção de mais tecnologias, desde novas peças até a sua produção em massa para atender mais pessoas; tecnologia é o aumento do conhecimento que gera mais formas de curas e tratamentos em todas as áreas; tecnologia é a mecanização com máquinas que permite produzir mais gastando menos, o que gera oferta mais barata… E toda a tecnologia existem e utilizada é feita e ativada por pessoas, mão de obra para criar e manter o mundo que conhecemos. Sem as pessoas ou sem a organização destas para o nosso objetivo (criar tecnologias para facilitar as nossas vidas) o que conhecemos como normal e inalterável pode mudar para pior.

Podemos não estamos satisfeitos com tudo que a espécie fez ou produz, mas imagina se não tivéssemos algumas dessas comodidades: andaríamos de cavalo? Quanto e o que se precisa para manter um cavalo? Temos carros e ônibus que nos levam grandes distâncias abrigados da chuva e permitindo a locomoção diária. Se não tivéssemos teríamos de dormir no trabalho, ficaríamos menos com a família… Pensamos nisso tudo? Não. Pensamos no que queremos e não temos, não no que já nos satisfaz.

É importante este pensamento porque nos motiva a buscar mais, a nos aperfeiçoar, contudo desprezar o que possuímos é um perigo porque eventualmente negligenciamos o que temos de bom e acabamos por destruir isso gerando mais insatisfação e caos. Achar que está tudo errado porque não estamos satisfeitos é insanidade. Alegar que é preciso mudar sem analisar o que existe e desejar apagar tudo começando do zero é burrice. Começar do zero é aprender a manusear o fogo. Nós já sabemos, não precisamos apagar a história só porque não gostamos dela. Podemos estudar e ver quais pontos específicos não nos agradam, o que pode alterar nestes pontos, implementar a modificação e ver os resultados, como a ciência. Não se ignora o mundo por não sê-lo satisfatório, muda-o o que se pode visando o que se deseja.

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