O ser humano se foca no que deseja e não tem por acreditar que ao tê-lo sentirá prazer e bem-estar, que é o objetivo da vida.
Também temos o hábito de nos compararmos com outras pessoas de forma parcial visando ter a conclusão que já possuímos, isto é, buscamos formas de provar que a nossa conclusão está correta. Dessa forma, quando queremos provar que somos melhores que os outros (porque queremos ser ou acreditamos que sejamos), comparamos as nossas virtudes com os defeitos alheios. Já quando queremos provar que temos menos, que somos vítimas (porque nos sentimos impotentes/vítimas), comparamos o que não temos e desejamos com quem tenha o que queremos. Essa comparação nos gera a “prova” de que os outros (somente aqueles a quem nos comparamos) têm mais do que nós e, tendo o que acreditamos ser bom, esta pessoa é feliz, mais feliz que nós.
Observe quantas distorções são feitas para conseguir a resposta desejada:
- A comparação é feita de forma parcial
- Comparamos somente o que desejamos ter com o que o outro tem
- Tomamos o outros como se fosse a sociedade inteira criando a sensação de que somos os únicos que não possuem o que o(s) outro(s) possui(em)
- Comparamos a “quantidade” de felicidade que achamos que o outro tenha com a “quantidade” de felicidade que sentimos.
Ao vermos alguém que tenha o que desejamos e não temos, acreditamos que esta pessoa seja mais feliz que nós, afinal, ela tem o que gera felicidade e nós não. Com o pensamento dual e excludente que o ser humano tem, se uma pessoa tem felicidade, a outra necessariamente não tem; se a pessoa se sente impotente para fazer algo e conseguir a felicidade, ela é a vítima e, sendo vítima, a outra necessariamente é a agressora. Assim, a pessoa não tem a felicidade que julga merecer enquanto a pessoa que acredita não merecer ser feliz a é e conclui haver injustiça. Além disso, por ser a vítima, é a passiva, quem sofre com a ação de alguém, portanto, a outra pessoa é a pessoa ativa, a agressora. Então, sendo injusto a pessoa não merecedora ser feliz enquanto que a merecedora não a é, a não merecedora é a pessoa ativa que prejudica a pessoa passiva, a vítima. Conclusão: a pessoa feliz é ruim por roubar da pessoa infeliz.
Ademais, buscamos boas sensações e uma delas é a sensação de poder e independência (não depender do outro; não ficar à espera) e quem tem a felicidade é a pessoa com mais poder visto que a felicidade é o objetivo. Portanto, quem tem menos felicidade é a fracassada, a derrotada na luta pela felicidade.
O pensamento dual sempre enxerga apenas duas opções que são excludentes, competitivas e opostas. Dessa forma, não existe felicidade para todos, mas apenas uma felicidade que deve ser disputada e que apenas um a conseguirá como forma de prêmio.
Este pensamento é comum demais no ser humano sobre todos os assuntos. É sempre assim: se eu não tenho, é porque alguém pegou (de mim) e, portanto, alguém o roubou. No entanto, como se disputa a felicidade se cada indivíduo tem os seus gostos, os seus prazeres? O que eu considero como bom pode não ser visto dessa forma por outrem, no entanto, o outro pode se sentir “injustiçado” por eu ter mais felicidade que ele tendo em vista que ele se considera merecedor de ser feliz.
O meu caso, em particular, gosto de ficar sozinha, apenas na minha companhia e num ambiente frio. Para muitos, a solidão é uma tortura e o frio é malvado. Assim, eu sou feliz nestas circunstâncias enquanto para estes muitos é um ambiente torturante. Mas, com o pensamento comparativo e de disputa (dual), eles enxergam apenas que eu estou feliz e eles não e, ao terem um opinião ruim sobre mim e boa sobre eles mesmos, concluem que eu não mereça o prêmio (felicidade) enquanto eles os merecem e, na realidade, não existe disputa alguma acontecendo, apenas cada um criando o próprio ambiente, a própria felicidade. Eles concluem que eu, por não merecer (opinião deles sobre mim) a felicidade e a tendo, a roubei deles, quem merecem (acreditam que mereçam). A partir daí ficam com raiva de mim por ter roubado a felicidade deles e passam a travar brigas visando conseguir pegar “de volta” a felicidade que “roubei” bem como reafirmar a opinião que têm sobre mim.
Aqueles que não gostam de mim possuem tal opinião porque não gera sensação agradável a eles. Depois desse pensamento todo, “concluem” que eu roubei a felicidade deles, reafirmando que sou uma pessoa ruim haja visto que eu roubei e, assim, reforçam a opinião que têm sobre mim. A sensação que têm é:
- Não gosto dela, então ela é uma pessoa ruim;
- Sendo uma pessoa ruim, faz coisas ruins;
- Ela não merece a felicidade por ser uma pessoa ruim;
- Ela é feliz, então ela roubou a felicidade de alguém;
- Eu não sou feliz, mas sou uma boa pessoa, então mereço ser feliz;
- Ela roubou a minha felicidade, portanto, ela é uma pessoa ruim.
A conclusão do pensamento não é uma conclusão, mas a base que sustenta o pensamento, ou seja, é um looping (ciclo) ideológico (sobre a ideia) por se pautar em opinião em vez de fato e que se retroalimenta reforçando a sensação que a pessoa tem fazendo-a acreditar que não é uma opinião, mas um fato, afinal, existe até “argumentos” (“raciocínio”) que o fundamenta.
Assim, se a pessoa “conclui” que é mais pobre, mais infeliz, ela cria um pensamento baseado nessa conclusão que gera a própria conclusão. Sem perceber o looping e sem perceber a ausência de raciocínio/lógica, ela acredita que seu pensamento é válido e que valida a sua conclusão.
Até as pessoas mais inteligentes agem dessa forma sem perceber. É a estrutura mental do ser humano que tem uma opinião sobre as coisas, as pessoas, sobre si e sobre o mundo, que é a maneira que a pessoa se sente relação a essas coisas, pessoas, si e o mundo, e que busca por formas de validar a sua opinião. Por isso se busca argumentos, raciocínios e explicações: para validar a opinião e tê-la como fato, algo concreto em que se pode confiar.
Dessa forma, a crença de que alguém lhe roubou a opinião deixa de ser uma opinião/crença para ser um fato ao ter “sustentação” no “raciocínio”. Com a certificação de que a felicidade fora roubada, a pessoa busca reavê-la bem como punir aquele que a roubara. Exigir indenização também é um comportamento comum.
A comparação para saber quem é mais feliz é um feitio humano para saber como o indivíduo está em relação aos demais porque deseja ser mais ou melhor do que os outros sendo um comportamento que prova o desejo da desigualdade. Ademais, por não se conhecer e não estar satisfeito consigo mesmo, o indivíduo não tem referência para saber se o que tem é suficiente ou bom. Então, ele tenta se comparar aos outros e, tendo mais que estes, acredita ser sortudo e (mais) feliz. Isso mesmo: a pessoa não se importa com o que sente, se está feliz ou tristes, se tem o que deseja ou não; ela se compara com outras pessoas para ter alguma noção se está bem na vida ou não (em relação aos outros). É um pensamento egoísta e um dos criadores do pensamento dualista que pode ser melhor compreendido em Você quer controle ou felicidade? (colocar link de 16 outubro 2024).
Somente pessoas infelizes se comparam aos demais porque buscam se convencer de que são felizes por ter mais do que os outros. As pessoas felizes estão felizes demais para buscar uma explicação do porquê estão felizes e não se importam se são mais ou menos felizes que os outros porque, realizadas, não falta nada em suas vidas e, sem faltar nada, não existe motivo algum para lutar pela felicidade.
Como não há como se comparar sentimentos por não haver uma forma de medi-los, comparamos o que achamos que são reflexo dos sentimentos. Quando queremos ser amados, contamos quantos gestos de amor recebemos; quando queremos ser populares, comparamos a quantidade de pessoas que comenta sobre nós; quando queremos ser felizes, contamos quantos objetos que nos faz felizes tempos. Ao ter um número, temos como comparar, então comparamos quem recebe mais declarações de amor; quem tem mais seguidores; quem tem mais objetos (felicidade).