Muitas pessoas usam de discursos carismáticos e vazios de coerência para se mostrarem boas e com bons sentimentos (altruístas) porque isso cativa pessoas sedentas de atenção e altruísmo alheio, ou seja, carentes.
Textos como “Viemos sem nada e voltaremos sem nada, então para que tanto ódio, raiva e mágoa?” possuem o efeito de encantar pessoas carentes. Contudo, se analisar as ideias nele incoerências logo aparecem.
Ideia como de “viemos sem nada e voltaremos sem nada” é usada para tentar desvalorizar tudo que se há na vida, como se “se viemos do nada e voltaremos sem nada, então devemos permanecer sem nada”. Na verdade, não faz sentido.
Nascemos sem roupas, sem alimento, sem teto, sem saber andar ou falar. Devemos permanecer desse jeito?
Muitas pessoas morrem em tenra idade, outras têm uma vida longínqua a ponto de seus corpos dependerem de outras pessoas para continuarem funcionando. É essa percepção de sermos dependentes de outras pessoas que fundamenta a ideia de não nos apegarmos a egoísmo ou ego, pois tais sentimentos ou percepções nos levam a acreditar que não dependemos de ninguém. Contudo, grande parte das pessoas morrem repentinamente, seja em acidentes ou através de violência, ou seja, o processo de morte que a ideia se fundamenta, que em nossos últimos momentos de vida seremos cuidados por alguém e dependeremos de alguém não é real para tais pessoas. De qualquer forma isso significa que não devemos valorizar o que podemos ter na vida? Não.
Quem usa dessas alegações distorce a situação e as palavras. Usa da ideia de que nascemos sem nada como se isso fosse bom e fôssemos completos e felizes assim, bem como na morte. Isso claramente é uma ilusão, uma vez que advém de uma ideia, não da realidade ou de dados. Acontece que não é assim. Basta pensar sobre o assunto que rapidamente a discordância com a ideia inicial aparece.
Se a morte fosse boa as pessoas não a temeriam, mas a desejariam. Se a morte fosse boa, pelo menos não haveria temor ou busca por salvação ou outras ideias para diminuir a aflição de tal momento. Sem pensar profundamente sobre o assunto é possível concluir que a morte não é bela nem boa como inicialmente alegado.
Um bebê vive a chorar demonstrando constante insatisfação, ou seja, infelicidade. Como é possível afirmar que não ter nada, como um bebê que chora diversas vezes, seja algo bom ou feliz? Claramente as palavras não relatam a realidade.
A pessoa que usa de tais ideias visa desvalorizar a matéria. Contudo, viver é usar da matéria! Como se vive sem comer, sem beber, sem uma casa (abrigo), sem roupas (proteção), sem rede de apoio social (sociedade)? Como desvalorizar tudo isso se precisamos disso tudo para vivermos? É impossível.
A técnica da desvalorização é usada para promover uma sensação de bem estar momentânea, motivo pelo qual é usada. Quando desejamos algo e não conseguimos, rapidamente usamos dessa técnica para acreditarmos que não ficaríamos tão felizes se tivéssemos conseguido o que desejávamos. Exemplo disso está em jogos: quando o time pelo qual a pessoa torce ganha, ela vibra e se exalta. No entanto, quando o time perde é comum o mesmo torcedor falar “é só um jogo”, desmerecendo a vitória, porque isso faz com que a pessoa não se sinta tão mal, tão triste ou tão frustrada por não poder comemorar a vitória não conquistada. No entanto esse comportamento (de desvalorização) não é feito quando o time ganha porque não é conveniente. Afinal, por que desmerecer a vitória conseguida e reduzir o bem estar?
Outra alegação usada rotineiramente é “para que tanto ódio, raiva e mágoa se voltaremos sem nada?” A questão é que ninguém controla os sentimentos. As pessoas podem controlar suas ações e pensamentos e, ainda assim, isso acontece de forma parcial.
As pessoas não usam dos sentimentos como uma maneira para alcançar um objetivo, mas ao contrário: para satisfazer um sentimento as pessoas traçam planos (ou somente reagem) e agem. Então a própria pergunta de “para que estes sentimentos” não tem sentido.
Planejamos e cozinhamos para satisfazer a fome. Agimos (cozinhar) para satisfazer um sentimento (fome).
Da mesma forma planejamos nossas vidas para alcançarmos a felicidade, satisfação, prazer. É assim que o ser humano funciona. Por isso fazer perguntas que não se enquadram na realidade não faz sentido. Uma analogia para isso é perguntar “como conseguimos viver sem ter três pernas?”
Dentro da perspectiva da frase, podemos questionar: para que tanto trabalho se somente água e um pouco de comida é suficiente? Para que desejar sucos, vinhos, cervejas e outras bebidas se a água mata a sede? Para que buscar um prato com sabores diferentes ou mesmo um pouco nutritivo? Se o ser humano controlasse seus sentimentos e os usasse como ferramenta para um fim, a estrutura da espécie seria totalmente diferente. Afinal, por que desejamos tanto se podemos viver com tão pouco comparado ao que temos?
Neste mesmo texto (“se voltaremos sem nada?”) alega-se que voltaremos para algum lugar, o qual não é dito onde ou como é, e que nada levaremos. Se não sabemos onde iremos, como sabemos se levaremos algo ou não? Se desconhecemos para onde vamos, como ter certeza desse outro lugar? Ademais, como sabemos se vamos para outro lugar? Supondo que haja outro lugar, que nos é desconhecido, como diz a alegação, e que nada daqui é levado, qual é o propósito da vida (aqui) segundo essa afirmação?
Ainda sobre a mesma alegação de “para que tanto ódio, raiva e mágoa se voltaremos sem nada?” podemos questionar: se voltamos sem nada, para que a felicidade, alegria e satisfação? Outro questionamento é: a vida é um instrumento para alcançar algum lugar ou estado com a morte? A afirmação parece alegar isso, como se a vida não tivesse um propósito, mas este está além da vida. Neste sentido, nada na vida faz sentido uma vez que o além morte é desconhecido e sequer levamos algo da vida para lá além de que tudo que existe aqui (na vida) não possui valor.
Embora muitas pessoas possam se encantar com tais palavras, a ideia que elas carregam é de uma depressão e vazio colossal mergulhado em perguntas existenciais sem respostas. O fato de não ter respostas faz com que as pessoas queiram responder e cada um responde como deseja. Então, a essência do texto é provocar o leitor a fazer o que desejar sem analisar profundamente o assunto, já que diversas perguntas expostas aqui não possuem respostas.
Muitas afirmações sem esclarecimento demonstram a falta de conhecimento e especulação. Não é errado especular ou imaginar, mas falar que uma opinião ou imaginação seja verdade/afirmação é uma distorção e mentira.