Muitas pessoas imaginaram que com a pandemia haveria mais solidariedade e união e se surpreenderam ao constatar que isso não é realidade.
O fato é que as pessoas DESEJAM mais união e solidariedade, ou seja, as pessoas QUEREM mais ajuda e auxílio, isto é, que outra pessoa forneça o que elas desejam. Ora, se todos ou a maioria desejam auxílio, brigarão para tê-lo, exigindo de outros. Dessa forma, a exigência aumentou e, ser exigido causa estresse e pressão em outras pessoas. Logo, ficam estressadas, irritadiças e impacientes.
O ser humano é mais solidário quando de bom humor, quando está satisfeito ou feliz. Ajudar outra pessoa fornecendo o que tem é muito mais fácil e satisfatório do que ter de trabalhar muito para conseguir algo e fornecer este algo a outra pessoa.
Em momento de estresse, agonia e sofrimento o ser humano busca desesperadamente por meios de eliminar ou atenuar tais sensações, tal como uma pessoa com dor. Quanto mais intensa é a dor, maior é o desespero para saná-la, mais irracional a pessoa fica e menos tolerante também.
Se todos ou a maioria está com dor ou sofrimento, mais intolerantes e impacientes ficam, portanto, mais caos geram, agindo de maneiras imprudentes e buscando alívio como podem.
O cenário de medo mostra que o ser humano fica mais agressivo com o caos, a falta de segurança, mas deseja o oposto a ponto de imaginar que as outras pessoas agirão da maneira que o indivíduo deseja.
Certa vez fui ao estádio de futebol assistir uma partida e recebi um conselho: “fique atenta à torcida se o seu time estiver perdendo. A torcida do time que está perdendo fica com raiva, agressiva, os seus integrantes começam a brigar porque cada um tem uma ideia de como salvar o time e acha que está certo. Assim começa a porradaria e viemos só para assistir.”
Quando as pessoas querem muito alguma coisa, lutam como podem para obtê-la e a reação agressiva surge de maneira gradual, com palavras, provocações, singelas ofensas, críticas pesadas, brigas e passa para a violência física se a pessoa sente ter capacidade de ganhar a luta.
Muitas pessoas ficaram desesperadas com a situação da pandemia e passaram a reagir assim, com mais agressividade para tentar obter o que desejam, visando amenizar ou sanar com suas dores e sofrimentos.
Os sofrimentos não são necessariamente algo grandioso ou visível, pode ser o grande medo de adoecer, a preocupação de parentes adoecerem, o medo de ser assaltado ou sofrer alguma violência direta e física, bem como o estresse crônico e cansaço de viver em alerta para evitar prejuízos, como os citados.
Quanto maior é o tempo nutrindo tais ideias e sentimentos, mais intensos esses ficam. Ficar em alerta por 5 minutos não cansa tanto quanto ficar em alerta por 1 ano ininterrupto. Uma noite mal dormida não causa o mesmo dano de uma vida mal dormida. Ter medo de ser vítima de violência em um momento não gera a mesma preocupação de viver com este medo. Um surto de alguma doença por algumas semanas não gera o mesmo medo ou pavor que um “surto” por anos.
Num momento de susto, o coração bate rápido e acelera, níveis hormonais são alterados e os órgãos reagem a tal alteração, mudando todo o metabolismo neste momento. Agora imagine viver este momento de susto por dias, semanas ou até mesmo por anos subsequentes. Todo o metabolismo é alterado.
O ser humano se adapta às situações. Quando há muito risco (possibilidade de prejuízo), ele cria um padrão de comportamento de ficar atento a estes riscos, fazendo o que pode para evitar que se concretizem. Isso significa que reagimos às situações mudando o nosso comportamento e forma de pensar de maneira a se enquadrar ao que vemos ou acreditamos ser verdade.
O cérebro cria sistemas sinápticos para otimizar tais pensamentos, alimentando toda essa rede de pensamento-comportamento-saúde. Assim, quanto maior o tempo sob o efeito de algum tipo de pensamento ou sentimento, mais intenso estes ficam e, quando mais intensos, mais incômodo a pessoa sente. Logo, ela fica mais desesperada para diminuir tais sensações, buscando por alívios.
Quanto maior o período de exposição a um estresse, sofrimento, dor ou desprazer, mais nos preparamos para (evitar) tais eventos e, assim, mudamos a nossa forma de agir e pensar, o que afeta todas as reações corporais. Talvez o perigo não se concretize, mas é real em nosso imaginário e isso já é o suficiente para que tracemos planos para evitá-los ou para lidarmos com suas consequências. Isso significa que o vivemos e, se o vivemos, reagimos e, dessa forma, criamos resultados com o nosso comportamento.
O medo de adoecer, de sofrer, de sentir dor, de morrer eleva o nível de estresse. A pessoa começa a tomar mais cuidados para evitar tais riscos e estimula esse comportamento, bem como tais pensamentos e sentimentos, alimentando a própria conduta. Contudo, ficar com medo por algumas semanas não gera o mesmo resultado que sentir tais medos por meses a fio. O desespero para aliviar a ansiedade, o medo e todo esse incômodo emocional, bem como aliviar o cansaço de viver todo esse tempo em alerta aumenta e chega um momento em que a pessoa PRECISA aliviar o estresse. Não á a ausência de medo que levam pessoas a saírem para relaxar, é o DESESPERO para viver que as estimulam a ter tal comportamento. Elas não aguentam mais viver nas condições em que estão e chega uma hora que o medo já não é suficiente para fazê-las ignorar as suas outras necessidades.