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A mentira dói?

Se a verdade é tão importante e a desejamos tanto, por que mentimos e por que ficamos bravos quando descobrimos a verdade, que alguém não é quem imaginávamos ou desejávamos?

Muitas pessoas afirmam que a mentira doa, no entanto, não é isso que se acontece.

Desejamos que os nossos desejos sejam satisfeitos, simplesmente e unicamente isso. Quando o que queremos é uma verdade, nós a desejamos e ficamos felizes com a usa aparição. Contudo, quando a verdade não é a que queremos, nós mentimos e exigimos que os demais também mintam alimentando a nossa crença.

Imaginamos um mundo feliz onde temos o que queremos, seja alimentos, conforto térmico, amor, reconhecimento, valor social, uma família feliz, um bom emprego, uma sociedade agradável e segura… Diante de uma situação insuportável e que não conseguimos mudar, nós mudamos a nossa interpretação para que se encaixe na nossa perspectiva de vida. Criamos utopias e idealizações distantes da realidade, porém, o nosso desejo de que sejam verdadeiras é tão grande que afirmamos sê-las.

Afirmamos que todas as mães amem seus filhos incondicionalmente, morram por eles e que os amem igualmente. Nada disso é verdade, porém, desejamos tanto sermos amados por nossas mães e que elas e que elas ajam assim que afirmamos que isso seja verdades;

Acreditamos que paixões e amores são perfeitos e felizes diante de brigas e lutas físicas e violentas que vemos e vivemos entre cônjuges que se amam;

Acreditamos que homens e mulheres sejam iguais porque desejamos que seja assim, ainda que vejamos as diferenças presentes a cada segundo de nossas vidas;

Acreditamos que os demais devam nos ver como nós nos vemos porque desejamos que eles afirmem as nossas crenças. Então, quando alguém diz que não somos o que acreditamos que somos, ficamos revoltados e achamos ser uma ofensa. Agimos de maneira a coagir todos que não concordem conosco até que os façam para alimentar a nossa imaginação onde somos quem desejamos ser e somos vistos como queremos ser vistos.

Essa maneira de o ser humano “pensar” é natural da espécie. Todos possuem seus delírios, o problema está na intensidade. Quanto mais se acredita na imaginação e se nega a realidade, mais raivosa e revoltada a pessoa é porque age como se estivesse em sua imaginação não tendo coerência com a realidade. O resultado costuma ser muito diferente do esperado (na imaginação), o que provoca a decepção e frustração que, quando com energia, se transformam em raiva e revolta. Na ausência dessa energia, a depressão e passividade aparecem. Veja mais em A confusão de um pensamento e Por que confundimos desejos com a realidade?

Descobrir uma mentira pode ser positivo se a mentira nos for desagradável. Dessa maneira, a verdade nos satisfaz mais e, então, a verdade é melhor. Ficamos alegres, felizes, leves e aliviados quando descobrimos algo assim, o oposto de quando descobrimos que a verdade é ruim.

O problema é quando descobrimos que a mentira que nos faz feliz é mentira e que a verdade é desagradável. Neste instante, nós nos sentimos traídos, confusos, decepcionados e frustrados, sensações bem desagradáveis que não desejamos sentir. Portanto, fazemos o possível para evitá-las, incluindo contar mentira para nós e para os outros.

O livro Hipocrisia: certa ou errada? Boa ou ruim? Por quê? Conta e explica como a mentira nos é fundamental para mantermos os laços sociais bem como para sobreviver à terrível realidade sendo uma ferramenta fundamental e indispensável para a vida do homo sapiens.

Diante da descoberta de o que acreditamos e gostamos de acreditar não verdade, sentimos uma mistura de emoções:

                    – ficamos frustrados por não estarmos certos, o que gera insegurança em nós mesmos. Se estamos errados, o que garante que não estejamos errados em outros assuntos? E se erramos, como confiar e acreditar que nossos próximos planos darão certo?

                   – as nossas esperanças diminuem ou acabam gerando desespero, tristeza e aflição;

                  – nós nos sentimos enganados ou usados, péssimas sensações. Não fomos inteligentes o suficiente para percebermos e sentimos que não somos queridos, apenas objetos a serem usados;

                  – confusão por termos nossas crenças, antes certas e confiantes, decepadas e lidarmos com a insegurança do desconhecido (não saber o que fazer, quais as opções, qual opção escolher, o que mais é mentira e o que é real) bem como o medo porque o ser humano pensa sempre nas piores possibilidades, ainda que improváveis;

                  – falta de confiança no outro por ter mentido para nós;

                 – desapontamento pelo outro não ter agido como desejávamos e acreditávamos que agiria;

                – raiva ou depressão oriundas das decepções e frustrações respectivamente;

                – desejo de culpar alguém para despejar o mal-estar, a culpa e a raiva além de exigir um ressarcimento.

 

A confusão vinda da diferença entre a crença e a realidade é uma das sensações mais fortes e predominantes. Porém, a falta de conhecimento de como funcionamos emocionalmente e a incapacidade de identificar os próprios sentimentos aumentam ainda mais a confusão por sentirmos muitas coisas ao mesmo tempo. São informações que desconhecemos, que interagem entre si e que se misturam. Como o ser humano identifica a sensação mais forte ou predominante, a mistura de muitas sensações é uma confusão porque não sabemos o que sentimos. Se não sabemos o que sentimos, como planejar qualquer coisa?

A falta de confiança é a insegurança, que nos gera medo e confusão. É a incerteza que, em outras palavras, significa caos e falta de controle. Ao descobrirmos que não podemos confiar em algo ou em alguém, nós mesmos ou outro, sentimos que perdemos uma parte importante de apoio, afinal, se uma pessoa não é confiável em algo, talvez ela não seja confiável em outras coisas e, assim, não podemos contar mais com ela. Isso significa que precisamos achar outra(s) maneira(s) de nos apoiarmos, o que desgasta e leva tempo. Assim, a perda de confiança é também um luto, outra sensação muito desgostosa de sentir.

As pessoas que traçam planos e não conseguem alcançar suas metas passam pela mesma situação. Elas acreditam que conseguirão o que desejam, confiando em suas habilidades e no controle que possuem, reais ou imaginárias. Ao não conseguirem o que desejam, constatam que suas habilidades não são tão boas quanto acreditavam ter e não possuem tanto controle quanto supunha e ficam frustradas tendo uma redução em sua autoestima e autoconfiança. Inseguras em si mesmas, não sabem mais o que conseguem ou não fazer, perdendo a base de suporte que são si mesmas. Elas buscam outros apoios como pessoas e conhecimento para tentar reconquistar a sensação de segurança.

Na frustração, ficam com raiva ou deprimidas. No primeiro caso, buscam alguém para culpar por seus fracassos e exige indenização pelo “prejuízo” através do seu comportamento violento. No segundo caso, algo comum de se acontecer após muitos fracassos, a pessoa deprime e fica passiva, aceitando a derrota e a insatisfação tendo a certeza de que não conseguirá o que deseja.

Descobrir uma verdade ruim nos machuca, nos decepciona e nos frustra por não estarmos certos. Confiamos em nossas crenças e informações e, quando não conseguimos o que desejamos nos deparamos com a realidade de que o que sabemos não é verdadeiro por inteiro. Na ausência de certeza, sentimos insegurança, caos e pânico. Não sabemos o que fazer e ficamos perdidos, sensações insuportáveis para muitas pessoas. Evitar tais sensações é o objetivo principal das pessoas sendo a razão por serem tão cabeças-duras e preconceituosas. É mais importante preservar a crença do que aceitar a realidade porque a primeira opção gera mais satisfação e tranquilidade do que a segunda.

Por um lado, queremos a verdade para sentirmos segurança, por outro, queremos que os nossos desejos, inclusive a visão de nós mesmos e sobre o mundo, estejam corretas e é nesta briga que vivemos. Hora acreditamos em mentiras que corroborem com as nossas ideias, hora acreditamos no que acontece de fato. Quanto maior é a diferença entre as duas crenças, maior é discrepância entre realidade e imaginação gerando mais frustração, decepção e confusão. Para evitar, precisamos constantemente atualizar as nossas crenças de acordo com a realidade fazendo-as se aproximarem e coexistirem sem tanto atrito.

A dor de descobrir que estamos errados, que fomos enganados, usados ou traídos é o sofrimento, a dor emocional, uma sensação emocional ruim, incômoda e desconfortável.

Dói quando se descobre a verdade quando esta não é a que queremos. Temos de refazer nossos sistema de crenças, refazer os planos, reconstruir a nossa visão de mundo e de nós mesmos, aceitar que não temos a certeza sobre tudo… É muito trabalho e muito sofrimento. Então tentar criar uma narrativa sobre a realidade que englobe os fatos de maneira que mantenha a nossa crença é a saída mais fácil e rápida que temos, motivo pelo qual é tão usada rotineiramente.

Por outro lado, queremos a verdade para podermos criar um sistema de crenças e conhecimento que nos favoreçam ao permitir que criemos planos coerentes com a realidade. Isso aumenta a possibilidade de sucesso em nossos planos e empreitadas conferindo-nos sucesso, alegria, satisfação, prazer e felicidade. Então, queremos a verdade, mas não todos os momentos.

Assim como a imaginação e a realidade vivem em conflito, os nossos próprios interesses também alternam entre desejar a verdade ou apenas alimentar as crenças que já possuímos fazendo-nos sermos maleáveis e insatisfeitos porque não conseguimos ter os dois extremos ao mesmo tempo.

 

Não queremos a verdade. Queremos que os nossos desejos sejam verdade/realidade. Entenda mais em A verdade não importa.

 

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