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A loucura do desejo

Hitler é considerado louco, pelo menos em parte, por querer provar que uma raça era superior que as demais e alegar isso apesar de a ciência não comprovar. Ele tinha uma premissa, de uma raça superior, e buscava formas de comprová-la para que todos concordassem com tal teoria.

Olhando dessa forma, parece loucura, já que a ciência estuda o mundo para entendê-lo em vez de tentar provar que as nossas vontades são fatos. Apesar disso, este pensamento faz parte da humanidade atualmente e podemos vê-lo em diversas áreas.

Por que as pessoas que acreditam que não haja gênero ou sexo no humano, embora a ciência prove o oposto, também não são consideradas loucas ou insanas?

Por que quem acredita que negros têm menos habilidades cognitivas que as pessoas com a pele mais clara também não são vistas como loucas visto que não há provas ou evidências desse “fato”?

Por que os indivíduos que creem que a mulher não possui as mesmas habilidades intelectuais que os homens não são tidos como insanos?

Por que as pessoas que acreditam que o ser humano é superior em comparação a outras espécies também não são vistas como pessoas que vivem fora da realidade haja vista que há muitas espécies que vivem em locais onde os humanos não vivem, que possuem mais sentidos que os humanos e, muitas vezes, sentidos mais apurados que a espécie hominídea?

Por que quem acredita que os outros devam lhe servir e satisfazer as suas vontades não são enquadradas com as insanas que acreditam em coisas que não existem, que veem o que não há ou que têm pensamentos distantes da realidade?

Já houve quem desejasse tanto ser superior que acreditava que a sua raça o era. Em algumas sociedades essa ideia era tida como normal, regra e até como lei. Títulos nobres, uma ideia criada a partir de uma mente desejosa, conferia status e valor a quem o portasse, diferente daqueles que não os tinham e, portanto, eram inferiores. Raças, escravos, serventes, empregados… Uma gama de grupos humanos são e foram tratados como inferiores pelo simples fato de que houve quem desejasse que fosse assim.

Sociedades fracas foram tomadas por impérios, dominadas por reinados e seus habitantes eram inferiores pelo simples fato de não serem da sociedade que dominou. Igrejas tentaram impor as ideias de alguns grupos separando as pessoas boas das ruins, as valiosas das desprezadas, as nobres das plebeias. Reis e rainhas impuseram regras diferenciando grupos sociais e conferindo-lhes valores diferentes assim como imperadores, czares, reis, faraós, presidentes e outros líderes sociais. Tudo sem qualquer comprovação científica ou perceptível.

Deuses “criaram” leis separando as pessoas em grupos, mas é só uma forma de terceirizar os desejos e outros sentimentos para que aquele que se refere a tal entidade não sofra as consequências negativas das pessoas insatisfeitas com as suas emoções. Afirmar que deus, uma entidade que não pode ser contestada, criou regras é uma forma de a pessoa impor as suas regras sem que ninguém a desgoste por isso. Sendo deus, ou deuses, entidades não percebidas e com poder total, o medo faz com que as pessoas acreditam que obedecê-los é melhor do que desacatá-los por temer os castigos que um ser com poder total possa impor. Assim, basta que um ou poucas pessoas afirmem o que “deus” quer que as demais obedecerão.

Tentou-se provar que algumas crenças eram reais através da fé, mas a lógica, o próximo passo no desenvolvimento do pensamento, sempre contestava e encontrava divergências e contradições. Intelectuais não obedecem, eles pensam, então não se dão bem com qualquer tipo de fé.

Com a divulgação de novidades científicas, a população se torna mais cética e busca mais o conhecimento, ainda que seja difícil. assim, encontramos pessoas que acreditam no que há comprovação e, sobre os assuntos sem respostas, mantêm a fé usando dos dois sistemas ao mesmo tempo, mesmo que sejam antagônicos. Isso acontece porque buscamos a sensação de segurança, não o conhecimento em si. Veja mais em A lógica emocional da divindade.  

Então, após o período da fé, há um período de transição entre fé (crença sem evidências ou explicações, apenas esperança) e ciência (crença no que é comprovado e dominado), onde ser humano ainda pensa com um cérebro imaturo onde as emoções dominam e explicam o mundo através das crenças que criam ao mesmo tempo que tenta usar da ciência para obter mais segurança sobre os assuntos que afirma. O resultado é de pessoas que criam “teorias” (hipóteses) e usam de métodos científicos para obter provas de que a sua crença é verdadeira. Esse é o surgimento da ciência: métodos científicos feitos por cérebros emotivos.

Tentou-se provar pela ciência muitas ideias, regras e crenças, mas não se conseguiu com todas. Muitas vezes a ciência prova exatamente o oposto da crença maciçamente pregada, o que faz as pessoas se sentirem inseguras e confusas.

Neste período de mistura entre fé e ciência, há quem deseje tanto que homens e mulheres sejam iguais que acreditam que sejam e buscam provar isso, alegando que não há diferença de sexo ou gênero, muito embora sempre sejam constatadas diferenças.

Também há quem busque provar que homens sejam mais importantes ou mais valiosos, mas sem sucesso.  Há quem busque provar que o capitalismo seja ruim, embora as sociedades progridem muito mais neste sistema; há quem tente provar que o comunismo seja perfeito, ainda que fizesse muitos infelizes e miseráveis por onde foi implantado; há quem tente provar que deus exista, mesmo que não se tenha qualquer evidência de sua existência; existe quem acredite  e tenta provar que ricos sejam felizes, apesar de dados mostrarem muitas doenças, principalmente as psiquiátricas, neste grupo; há quem tente mostrar que alguns grupos como negros e empregados, tenham menos valor… Sempre tentamos provar que as nossas crenças são reais e fatos, mas não há provas além da nossa crença. Acreditamos tanto em nossas ideias que sentimos que são verdadeiras e, portanto, são reais para nós, e para todos.

O fato de não concordarmos com a conclusão de Hitler, no caso de superioridade de raça ariana, nos leva acreditar que somos diferentes dele, de preferência melhor, porque isso nos faz sentir bem. Já que foi criado uma imagem muito ruim sobre esta figura, queremos ser tão diferentes dele que desejamos ser o oposto, então, discordamos com tudo que ele fez ou pensou. Contudo, somos todos da mesma espécie e, por tal, compartilhamos muitas características nos assemelhando uns aos outros e, nisso, a estrutura de pensamento, que é a mesma: desejamos tanto algo que consideramos como um fato e, a partir daí queremos provar que seja verdade e alterar a realidade para que esta se molde ao “fato” que “constatamos”. Somos mesmo tão diferente dele ou só não queremos pensar nisso por ser incômodo demais

Hitler foi uma pessoa e, por tal, é parecido conosco. Podemos estudá-lo para compreendê-lo e evitar fazermos o que consideramos ruim ou mau, mas categorizá-lo como diferente de nós, ou melhor, que nós somos diferentes dele (somos melhores) é nos superestimar e este é o ponto em que pessoas que aparentemente são boas, por serem diferentes de Hitler, a imagem do horror, se “tornam” ruins, fazendo maldade e prejudicando os outros mantendo a crença de ser uma boa pessoa. Quantas pessoas se consideram boas e fofocam, falam mal dos outros, contam histórias assustadoras, tentam tirar vantagem dos outros e não seguem 100% das leis? Talvez bebês sejam essas pessoas boas por não fazerem o que nós mesmos consideramos ruim.

Uma imagem icônica, Hitler motivou um povo, um país, criou empregos e diminuiu os conflitos, mas só é recordado como um diabo na Terra por aqueles que contam a história do lado oposto ao dele num sistema de marketing que nutre ódio e repúdio àquele que nos é tão próximo, afinal, ele era tão humano quanto nós, porém, se analisarmos, como uma pessoa tão ruim conseguiu conquistar um povo inteiro? Ele não foi considerado ruim desde sempre, apenas por quem sofreu por ele.

A ciência é o estudo da natureza, não a tentativa de provar que um desejo seja real. Ela avalia uma hipótese, mas muitas pessoas a usam para provar ou evidenciar os seus desejos, engrandecendo os seus egos. Hitler tentou provar a superioridade ariana, razão pela qual deveria dominar as demais exatamente como muitos imperadores consideravam os seus povos, muitos reis e outros líderes assim como muitos ainda acreditam que um grupo, como um partido político, deva dominar os demais por ser “superior”. Qual a diferença entre nós e Hitler? Hitler conseguiu avançar em seu plano de dominar os outros e nós, não. Tentamos dominar, mas outros grupos não se submetem e lutam contra a nossa posição sobre eles porque eles também querem mandar e ordenar.

Além disse, Hitler tem uma publicidade negativa, fazendo-o ser visto como o capeta, enquanto nós fazemos o marketing positivo afirmando que as nossas ideias são as melhores para todos e que, portanto, temos o direito de mandar nos outros e que todos devem nos acatar.

Talvez a maior diferença seja como nós somos vistos por quem nos cerca e pela publicidade que temos, não propriamente por quem somos ou pelo que fazemos. Publicidade vende, divulga e doutrina mentes não pensantes que são o maior grupo social que existe.

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