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A lógica emocional da divindade

O ser humano cria histórias e entidades que expliquem o que a sua inteligência não consegue explicar. Veja mais em a estupidez humanaciência X religião, milagres X fatalidades.

Conviver com o desconhecido é apavorante e diminuir essa sensação é o objetivo de construir crenças. É como se houvessem lacunas em branco entre conhecimentos e o cérebro criasse algo para preencher tais lacunas e ligar os conhecimentos, conectando tudo e gerando conforto por provocar conhecimento (ausência de insegurança, sensação de controle, poder e outras emoções). Veja mais em Hipocrisia: certa ou errada? Boa ou ruim? Por quê? Embora façamos isso regularmente, criar histórias não as torna real, apenas satisfaz as nossas vontades emocionais temporariamente.

  • Doenças eram consideradas obras divinas, já que o ser humano desconhecia a sua razão;
  • Curas para males eram orações para deuses, rituais divinos, oferendas, promessas e outras ações para entidades consideradas motivadoras das pestes de males;
  • As explicações para acontecimentos sem compreensão era de que alguma entidade divina as tinha feito.

Para cada situação em que o ser humano não consegue entender, ele usa da criatividade para criar uma explicação que atenda a sua necessidade de controle e sensação de segurança, preenchendo a lacuna vazia e ligando os seus (poucos) conhecimentos. Ele não cria uma explicação lógica, mas uma que satisfaça a sua vontade de controle, que aumente a sua segurança e diminua o medo que sente perante o aparente inexplicável, que gera a sensação de caos e impotência, sensação que o ser humano não sabe lidar e entra em pânico. Então, pela lógica emocional, criar um deus que possa controlar tudo, que cuida do ser humano, que pode ser satisfeito com oferendas, promessas e orações permitindo que o ser humano o controle, ainda que parcialmente, é a maneira de satisfazer essa vontade emocional.

A lógica coerente, entre premissas, não existe.

Ao analisar logicamente a própria história ou conceito de deus encontra-se incoerências rapidamente, mostrando a sua ausência de lógica:

  • Se deus cuida de tudo, então não faz sentido rezar, pois ele já faz o trabalho de cuidar de tudo e nós, como parte do tudo, estamos inclusos neste tudo.
  • Se deus faz tudo, então por quê buscamos aprender ou entender o mundo? A explicação já existe: ele faz!
  • Se deus cria tudo, então ele cria tudo. Portanto tudo foi criado por ele. Logo, nós, os outros, tudo que existe, tudo que nos agrada e nos desagrada foi criado por ele. Dessa forma, tudo é responsabilidade dele.

As explicações humanas sobre entidades divinas são criações humanas, ou seja, são sua interpretação sobre o mundo, que leva em consideração as suas vontades, suas capacidades intelectuais, seus medos, seus desejos, suas opiniões e outras fontes de interpretação. Por isso as histórias não são perfeitas e possuem incoerências: o objetivo não é ter coerência, mas satisfazer desejos emocionais e, uma vez conquistado, as incoerências são ignoradas por não incomodarem quem esteja satisfeito.

Essa criação de histórias não acontece somente com entidades divinas, nem com religiões nem com uma sociedade específica. É uma característica da espécie e pode ser vista com sociedades diferentes, culturas diversas e em tempos distantes, desde os primórdios até os atuais. Acreditar em fada dos dentes porque é a única explicação que uma criança consegue entender o motivo do dente ter sumido do travesseiro (a fada o pegou) é a mesma razão pela qual uma pessoa acredita que exista um deus porque é a única maneira pela qual ela consegue compreender que o mundo existe (foi criado por ele). A diferença é que o adulto sabe como aconteceu o processo que fez o dente sumir do travesseiro e a criança não. Então ela cria uma história para dar uma coerência plausível (para ela) para o fenômeno que presenciou, em vez de alegar a verdade: que não sabe o que aconteceu. Daí que para ela isso é lógica, quando, na verdade, é imaginação.

É com essa estrutura mental que há quem diga que existe um deus porque nada se cria do nada e precisa de alguém para fazer tudo o que existe. Essa ideia é a mesma das citadas anteriormente: por não entender como os eventos acontecem, conclui-se que eles não podem acontecer sem que alguém os faça. Supõe-se, então, que um deus os faça. Mas por quê um deus?

Doenças são causadas por vírus, bactérias, protozoários, células da própria pessoa que são danosas… Não há nada de divino nisso. A diferença é que séculos atrás não se sabia essas informações e denominava-se de deus por conta disso. Talvez seja o mesmo para agora: por não sabermos todas as reações que acontecem no universo que gerem tudo que existe e por ser complexo demais para nós (seres humanos), nós simplificamos todo o desconhecido com uma palavra: deus. Fazemos isso porque é fácil, simples e não admitimos a nossa insegurança de não saber, de não controlar e, portanto, de ficarmos à mercê.

Este é o deus que muitos cientistas e ateus falam: o desconhecido. Por isso que para eles não existem rituais, religiões, orações ou outras coisas. Eles admitem que não conhecem tudo e não creem que alguém comande tudo, até porque até hoje se mostra que essa entidade comandante única de tudo não existe. Por isso que ciência não é contra deus, já que deus é a parte que a ciência desconhece; por isso que essas pessoas são mais realistas, já que não ignoram a realidade para acreditar em histórias fictícias, o que as levam a progredir mais na vida real.

Contudo, esse deus que significa desconhecido não é o mesmo (não tem o mesmo significado) que o deus que muitas pessoas acreditam. Neste momento ocorre uma grande distorção de ideias por significados diferentes. Enquanto que deus é referido como desconhecido pelo ser humano por muitas pessoas, inclusive por quem acredita num deus religioso (sendo mais um grande motivo de conflito na própria pessoa), para outras deus é uma entidade divina religiosa que rege tudo, que talvez mereça ter gratidão, receber presentes, orações, oferendas e outros itens, bem como ser celebrada, ter festas e feriados, ser temida por ser poderosa e outras atitudes que os seres humanos acreditam que Ela mereça.

Vale lembrar que o ser humano julga o que é merecedor, ou seja, o ser humano, dentro do seu conjunto de conceitos, valores, interpretações, desejos e medos julga qual comportamento seja correto/bom/aceitável/desejável. É com esse julgamento, totalmente humano e não divino, que ele julga o que deve fazer para agradar o ser divino que ele mesmo criou.

1 comentário em “A lógica emocional da divindade”

  1. Pingback: A loucura do desejo – Filosofia 21

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