No Brasil existe a definição de que uma pessoa é adulta após 18 anos de idade. Isso significa que após esta idade a pessoa é considerada adulta, tendo concluído todos os desenvolvimentos de um indivíduo.
Apesar disso, estudos comprovam que o desenvolvimento cerebral continua até por volta dos 25 anos contradizendo a determinação feita por pessoas com poder de impor as suas opiniões que, neste caso, é a crença de que 18 anos é o tempo necessário para uma pessoa se desenvolver e chegar à fase adulta.
Por conta dessa crença, estipulou-se que tudo que possa interferir no desenvolvimento seja proibido aos menores de 18 anos visando o seu desenvolvimento completo. Ademais, acredita-se que somente pessoas adultas tenham responsabilidade sobre si bem como devem ser responsáveis por si mesmas. Portanto, tudo que gere uma mudança permanente deve ser feito por pessoas adultas por “serem” responsáveis. Com isso, tem-se que tatuagens, marcas permanentes, devam ser feitas após a completude dos 18 anos visto que os menores desta idade não têm responsabilidade suficiente para tomarem uma decisão como esta, que é eterna.
Contudo, colocar piercings é permitido e existe um piercing que é tão comum que não é visto como tal: o brinco na orelha.
A mesma sociedade que diz que o indivíduo só pode tomar uma decisão que não é reversível afirmando ser para o melhor do indivíduo, é a mesma que permite que pais furem seus filhos provocando dor, colocando um objeto estranho em seus corpos quando ainda bebês. Muitos pais furam as orelhas de suas filhas sendo também uma ação irreversível. A criança pode escolher não usar mais o brinco no futuro, no entanto, a cicatriz causada pelo furo não é reversível. Isso mesmo: a mesma sociedade que preza pelo indivíduo em desenvolvimento é a mesma que permite que este indivíduo passe por uma ação que dói para agradar os pais.
E por que ninguém comenta nem se revolva com isso? Acreditamos que o normal seja bom, aceitável e certo. Ademais, normal é o que segue uma norma, uma regra, um padrão. Se vemos algo com regularidade, vemos um padrão e absorvemos como algo normal, comum e aceitável. Assim, se vemos muitos pais machucando suas filhas porque acreditam que isso as tornam mais belas e que a beleza é importante, acreditamos que este comportamento seja aceitável e certo. No entanto, curiosamente, agimos de forma diferente quando se trata do que não estamos acostumados ou não gostamos. Por que se pode colocar brincos nas orelhas de bebês e não se pode colocar brincos nos umbigos, narizes ou sobrancelhas? Pelo simples fato de que estamos acostumados APENAS com os piercings nas orelhas. Embora seja exatamente a mesma coisa que o brinco nas orelhas alterando apenas o local onde é colocado, se condena os piercings enquanto se elogia os piercings nas orelhas.
E por que a sociedade não aceita a tatuagem? Por ser diferente ou feia. Se fosse bonita, certamente haveria manifestações a favor das tatuagens bem com críticas à ideia de que a pessoa só possa escolher após os 18 anos.
Somos a favor do que gostamos, incluindo do que gostamos NO OUTRO, e contra o que não gostamos e buscamos e criamos argumentos para convencer de que a nossa opinião seja uma fato e que, portanto, todos devam concordar e agir de tal maneira.
A sociedade afirma que visa o bem do indivíduo e que tais limitações às pessoas menores de idade (18 anos) são para protegê-las. No entanto, observa-se que tratamentos hormonais são permitidos mesmo que os hormônios sejam justamente os ativos do desenvolvimento do indivíduo.
Há casos em que o indivíduo possui alguma anomalia ou doença e que hormônios sejam o tratamento para tais sendo, portanto, exceções à regra porque existe uma exceção à regra: o indivíduo não se desenvolve bem/normal e precisa de tratamento para corrigir tal anomalia.
A sociedade afirma que deseja o melhor para o indivíduo e chega a criar regras que os limitam usando dessa desculpa. Afirma que ele deve escolher após se tornar adulto por ter mais responsabilidade, por outro lado, impede que ele aja como deseja mesmo após a maioridade ao manter a ideia de que tatuagem seja ruim ou feia; afirma que a criança não conhece o mundo e que o estado (sociedade) é quem deve mostrá-lo quando, na verdade, a sociedade apenas conta a narrativa que mais lhe convém.
Não podemos tatuar nossa própria pele como desejamos porque não temos responsabilidade suficiente para lidar com o fato de que, se nos arrependermos, não temos como mudar. Contudo, temos de acreditar nas histórias contadas sem questionar. Temos de planejar termos filhos porque não é possível mudar esta decisão posteriormente se acreditarmos que matar ou abandonar seja errado (não é uma possibilidade que consideramos), no entanto, a sociedade incentiva a produção de prole com narrativas, expectativas, perguntas e críticas. Isso mesmo, somos nós, individualmente, que cuidaremos de nossos filhos, mas é a sociedade que deseja controlar se teremos e quantos teremos. Essa é a tatuagem que a sociedade deseja impôs aos demais e, portanto, cobra e incentiva, mesmo sendo somente as pessoas diretamente vinculadas a tal “tatuagem” que arcarão com os custos de tal escolha.
Enquanto as pessoas se prendem a questões sem muita importância como tatuagem, restringindo-se aos círculos sociais pequenos, todas as novas gerações de indivíduos estão sob a narrativa de um ou poucos grupos sem poder questionar. Criticamos a permissão de que crianças possam ter responsabilidade sobre suas ações e escolhas, mas as condenamos a narrativas que nós escolhemos. Elas não escolhem se concordam ou não, devem aceitar e obedecer tal como uma tatuagem feita em suas peles sem que possam negar ou remover posteriormente. Como se muda o pensamento de uma pessoa que passou os primeiros 20 anos acreditando em uma história? É como tentar remover uma tatuagem: pode-se tentar, mas nada fará com que a marca deixe de existir.
Após muitos procedimentos dolorosos e cuidados a tatuagem pode ser amenizada e da mesma maneira acontece com as crenças das pessoas. Apenas com muita terapia, muito esforço, muito tempo e muita energia pode-se alterar um pouco das crendices absorvidas. Afirmamos que o indivíduo é quem deve escolher se deseja ser tatuado ou não e com qual tatuagem, após completar a idade que acreditamos que tenha responsabilidade suficiente para lidar com o fato de que a marcação em sua pele seja irreversível. No entanto, não fazemos isso para as narrativas que impomos em seus cérebros.
Uma das primeiras coisas que aprendemos é a não questionar porque somos fracos e os fortes não gostam de serem questionados. Com medo, acuamos e perdemos a habilidade bem como a vontade de questionar. Aprendemos que temos de obedecer para sobrevivermos ao não incomodar quem manda em nós. Estudamos o que nos impõem, vamos às escolas onde nos colocam, aprendemos as religiões que ouvimos como corretas e ouvimos repetidamente narrativas que não batem com a realidade. Fracos e pequenos, acatar é a maneira de permanecermos vivos, queridos e cuidados.
Na adolescência ficamos mais fortes e com a força vem o questionamento que fora calado. Passamos a ficar rebeldes ao deixar de obedecer como fazíamos e passamos a sermos vistos como problemas por termos opiniões divergente daqueles que ainda desejam mandar em nós. No entanto, já temos 15 anos de vida sob narrativas e crenças que não pudemos escolher e que, tal como tatuagem, não podem ser removidas repentinamente, sem dor ou sem deixar marcas. Como desacreditar em tudo que se acreditou até então?
Por ser invisível, diferente da tatuagem, é fácil ignorarmos e afirmar que isso não acontece, mesmo que vivamos esta realidade diariamente. Ademais, também temos esperança de controlar e manipular os outros a agirem como desejamos e, por isso, acreditamos que o outro deva ter a “liberdade” (possibilidade de o controlarmos) de pensar como deseja, então afirmamos que, após a maioridade, as pessoas seja livres para pensarem como desejarem. Mas como pensar livremente após mais de década sob uma narrativa repetitiva? Como pensar de forma imparcial ou baseada em lógica se todo o sistema básico de pensamento já fora implantado dia a dia nos primeiros 15 anos de nossa vida?
Crescemos acreditando que família seja amor; aprendemos que devemos “respeitar” (obedecer) aos mais velhos; crescemos acreditando que há um deus; aprendemos que nossa opinião é um fato visto que todos agem assim… Como zera todas essas linhas de pensamentos nossos cérebros se desenvolveram sob tais ideias fazendo-as como premissas e base para os pensamentos posteriores?
Enquanto nos preocupamos se as pessoas vão desenhar em seus corpos, criamos exércitos obedientes às histórias que os mais manipuladores contam e disseminam fazendo-os de marionetes para os próprios fins. Por ser difícil de perceber isso, talvez horripilante demais para se pensar sobre o assunto ou por termos esperança de conseguirmos mudar isso e pegar o exército para nós individualmente ao acreditar que podemos manipular melhor, nós vivemos como se este comportamento não fosse verdade, ignorando a realidade mais uma vez como costumamos fazer sempre que nos entristece.
O adolescente não pode marcar a sua pele porque o resultado não é reversível, mas não aceitamos a liberdade de pensamentos nos mesmos porque isso tira a nossa autoridade e poder sobre ele. Por um lado, afirmamos que nos preocupamos com indivíduo ao “protegê-lo” de uma ação impensada, por outro impedimos que o mesmo indivíduo pense por si mesmo. No fundo queremos apenas aparentar que somos boas pessoas para que os demais nos vejam como tal e, por isso, gostem de nós. Afinal de contas, nós dependemos dos outros e eles só fazem o que queremos quando damos o que querem na eterna troca entre pessoas chamada relacionamento.
Por tudo isso, a liberdade de pensamento está em quem resistiu à implementação de ideias e consegue analisá-las em vez de acatá-las. Ainda assim, o ser humano é limitado e não tem capacidade de pensar muito. Temos um pensamento ainda muito limitado e primitivo, mas é este o responsável por desvendar o que existe do que é somente ideias abstratas; por questionar e analisar o que acontece do que as pessoas desejam que aconteça; por buscar o conhecimento em vez de se prender nas ideias absorvidas.
Após sermos tolhidos o máximo que podemos, somos libertados para sermos quem somos ou queremos ser. Se sobrevivermos ao massacre da liberdade de pensamento, ganhamos o troféu que ninguém pode nos tirar: um pensamento livre que possui a nossa força para se defender dos demais. Mas, como viver em liberdade após tantos anos no cárcere? A maioria se acostuma e vive presa por ser o normal que conhecem, apenas quem sobreviveu apesar de tudo à prisão mental pode andar pelas ruas da liberdade. Os demais conseguiram se acostumar tanto com a prisão que critica os livres e afirma que a prisão é a melhor opção, a realidade, o correto e não abandonam.
Escravos mentais dão suas vidas por seus donos de bom grado porque acreditam que servem a algo certo. Os livres percebem que não há o que defender, o que atacar, nem mesmo o certo ou o errado. Existe somente o que existe, sem ideias que brigam com a realidade e andar por entre elas é voar pelas oportunidades aproveitando as possibilidades em vez de criticá-las se deveriam existir.
O estudioso não é quem lê muitos livros, mas quem analisa o seu conteúdo. É o pensador livre que sobreviveu à infância e a adolescência e que finalmente tem a liberdade de pensar como sempre pensou.
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