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A “inocência” infantil

Muitas pessoas idolatram crianças e por isso acreditam que sejam boas e inocentes. Ou é o inverso? De onde vem essa idolatria ou idealismo e essa crença de inocência?

As crianças são birrentas, egoístas, dão trabalho para educar, consomem e não produzem. Por que as consideramos como boas apesar dos fatos?

Ao ver uma criança bonita nos sentimos bem, como qualquer coisa que consideramos bonito. Esse bem estar nos leva acreditar que o que nos faz bem seja bom, então a criança bonita é boa.

Como o pensamento humano é dual, se algo nos faz bem é bom e se é bom em uma característica nós acreditamos que seja bom em todas as demais. Assim “concluímos” que a criança inteira seja boa, não apenas o conjunto de características visuais que nos promove bem estar.

Temos um instinto que nos faz ter piedade e simpatia para com crianças. Isso já faz com que tenhamos atração por elas, o que afeta a nossa opinião fazendo-a se favorável à criança. Mesmo sem conhecer a criança nós temos essa “percepção” (opinião) sobre ela, o que deixa claro que a nossa opinião não é baseada em fatos, mas no que acreditamos ser a realidade (como acreditamos que a criança seja).

A inocência da criança vem da nossa própria percepção. Além dos fatores mencionados nós acreditamos que a criança não tenha consciência do que faz. Então o que não for bom não é proposital, portanto ela não é culpada ou responsável. Porém há muitos adultos e velhos que agem sem consciência criando situações ruins, mas nós julgamos como responsáveis e conscientes de suas ações. O que mudou? A nossa percepção. Ao acreditar que crianças não têm consciência concluímos que não sejam responsáveis. Ao acreditar que adultos e velhos a possuem acreditamos que sejam responsáveis. Mas por que acreditamos nisso? Por que nos conforta e é o que desejamos, não por ser verdade.

Queremos que adultos e velhos sejam responsáveis então acreditamos que os são. Já as crianças não sofrem muito disso, exceto em situações específicas em que agem com infantilidade (possui um comportamento mais infantil do que a idade que possui). Quando uma criança faz o que consideramos errados nós a educamos (castigados e corrigimos o comportamento). Talvez seja a nossa sensação de poder sobre o outro que nos leve a “concluir” que ele seja responsável ou não. Quanto maior o nosso poder, mais irresponsável ou inconsciente consideramos o outro porque podemos corrigi-lo, como acontece com criança. Já quando temos menos poder (não temos o que fazer para educar ou corrigir/manipular o comportamento alheio) mais acreditamos que ele seja responsável e consciente. Isso acontece com a população mais velha.

Famílias com muitas pessoas costumam ter pais com menos tempo de atenção para cada membro. Isso significa que os pais possuem menos capacidade de impor um determinado comportamento (poder sobre o filho) e assim conclui que o filho seja mais responsável exigindo e esperando atitudes mais responsáveis.

Ademais, quanto mais velha é a pessoa mais percebe a falta de atenção que tem de outras pessoas. Assim descobre que para alcançar o que deseja é preciso fazer por si mesma, desenvolvendo a responsabilidade (planejamento, ação e recompensa ou punição). A própria maneira de tratar o outro o influencia a ser mais ou menos responsável.

Interessante perceber que quanto maior é o bem estar que temos com a companhia de alguém maior é a simpatia que temos por essa pessoa e, por isso, mais “chances”  (de agir com responsabilidade e consciência) damos a essa pessoa além de ignorar as características negativas (defeitos). Assim a nossa percepção entre crianças e adultos é alterada, não sendo condizente com a realidade.

Ademais a nossa percepção de inocência tem a ver com a força e agressividade. A pessoa mais forte costuma ser a mais agressiva. A mais agressiva costuma machucar (responsável pela ação de agredir o outro) outras. Essas outras são as vítimas ou inocentes por não terem capacidade de reação. Assim, de “sinônimo em sinônimo” distorcemos o conteúdo e concluímos erroneamente. É com essa premissa que entendemos que um homem é considerado mais responsável do que uma mulher, ou mais culpado (potencialmente culpado) pelo que dá errado ou não nos agrada. A mulher é vista como mais culpada do que um velho, pois este parece ter menos capacidade de reação por ser mais fraco. O velho é a ainda mais culpada do que a criança. Quanto mais nova a criança mais inocente é porque é mais fraca, frágil e vulnerável. Tem-se, então, que a responsabilidade está associada à agressividade, a qual, por sua vez, estão conectadas à fragilidade e vulnerabilidade e essa é a característica de alguém inocente.

Contudo a força não é a única característica que pode dar poder a alguém sobre os demais. Há muitas pessoas que possuem o poder social, manipulando os demais e as crianças fazem parte desse grupo. Manipular os cuidadores é uma das primeiras coisas que as crianças aprendem. Elas dependem disso para conseguir o que desejam. Uma criança que já sabe falar apela para o choro para conseguir atenção dos cuidadores e então pedir o que deseja mesmo não tendo necessidade de chorar. Porém o choro garante mais chances de ter atenção dos cuidadores, que é o primeiro objetivo, os quais saciarão as suas vontades, seu segundo objetivo.

Apesar de sabermos disso nós ignoramos. É instintivo valorizar mais a agressividade física, motivo pelo qual a consideramos para classificar e organizar outros aspectos da vida social. Isso acontece porque tememos mais sermos vítimas de agressões físicas do que as demais por nos gerar mais prejuízo (mal estar).

Depois de tantas distorções temos uma conclusão que não condiz com a realidade.

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