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Eu ou o meu corpo?

A percepção que temos é muito fundamentada pela visão. Nós nos vemos na altura dos olhos, região da cabeça, então concluímos que somos ou estamos nesta região do corpo. Com essa perspectiva, não enxergamos o cérebro como um órgão, mas como nós mesmos, nossa alma, nosso espírito, nossa consciência ou ideias similares.

Quando sentimos dor em alguma parte do corpo nós dizemos que temos dor no pé, nas costas, no braço… Indicamos que a dor é no corpo, não em “nós” exatamente. Curiosamente também alegamos sentir dor na cabeça indicando que às vezes enxergamos a cabeça como parte do corpo.

O fato é que os sentimentos e emoções são compreendidos como nós e o corpo como algo além de nós, algo que temos e controlamos. Sentimos medo, alegria, empolgação, raiva… Não dizemos que o nosso corpo sente raiva ou alegria, NÓS sentimos a raiva e a alegria, então nós não somos o corpo.

O que confunde muito as pessoas é que muitas sensações corporais são interpretadas como nós como a fome e o frio. Não é o nosso corpo que sente, mas nós. Nós sentimos fome, sentimos frio, sentimos calor… Sensações orgânicas e corporais que identificamos como parte de nós. Assim, confundimos quem é o corpo e quem são os “nós”.

Também acreditamos que tenhamos o controle sobre nós na ideia de alma ou afins, ou seja, acreditamos que não seja um órgão que gere tais sensações, mais algo a mais, algo de outra natureza e, com essa crença e todas essas interpretações confusas, concluímos que não existe doença ou alteração em “nós”, apenas no corpo. Sendo a cabeça ou o cérebro a região que identificamos como “nós”, não aceitamos que adoeçam porque “nós” não somos doentes, apenas o corpo adoece. Logo, a simples hipótese de que talvez tenhamos alguma alteração em “nós” (cérebro) é assustadora porque descobrimos que não temos controle sobre nós.

Ademais, o ser humano possui um pensamento dualista onde nunca há interseção entre os polos (ideias), portanto, existe o corpo e existe a alma e as sensações de ambas nunca se cruzam. Assim, se acreditarmos que o cérebro é somente mais um órgão do corpo, concluiremos que não existe alma/espírito/consciência ou outra ideia similar porque é a região onde estaria essa nossa parte. Então, existe apenas ação e reação orgânica, o que nos leva à sensação de falta de controle sobre nós e isso gera medo. Além disso, essa ideia que existe apenas reações químicas leva à conclusão de que não exista alma ou similares e, tendo esta como uma crença certa, toda essa ideia gera mais insegurança porque descobrir que o que acreditamos não existe nos faz sentir inseguros sobre nós mesmos

A insegurança gera medo e o medo, quanto mais intenso, se transforma em pânico e todas essas sensações são muito desagradáveis. Para não senti-las, distorcemos a realidade e criamos mentiras para manter a crença que temos porque, assim, temos mais confiança em nós mesmos individualmente, e isso nos gera segurança e calmaria. É um bem-estar.

Neste pensamento extremista, existe o nós em algum lugar na nossa cabeça e existe o corpo. Então, se vamos a um médico porque a nossa cabeça não está bem significa que nós não estamos bem e isso é assustador. Portanto, manter a crença de que temos o controle sobre nós é mais importante e gera mais bem-estar do que procurar um médico que estuda/trabalha nesta parte fundamental do ser humano. Por conta disso evitamos profissionais da área porque sentimos como se não tivéssemos controle sobre nós mesmos, o que gera medo, e que outra pessoa, o profissional, o controlará, o que gera mais medo ainda.

Acreditamos que a ansiedade, a depressão e outras sensações sejam resultados de nós, não do corpo. Portanto, por que procurar um profissional se o problema não é médico, mas da alma? Por isso muitas pessoas buscam religiões ou ideias espiritualizadas. Contudo, o cérebro, como órgão, tem o poder fisiológico de provocar sensações físicas, auditivas e emocionais quando devidamente estimulado.

É através de estudos que os profissionais aprendem como o cérebro funciona, quais medicamentos ajudam a equilibrá-lo em áreas específicas. O cérebro é como um corpo menor: o corpo tem órgãos diversos assim como o cérebro tem áreas diversas, cada uma responsável por uma região do corpo (incluindo a região emocional). Quando um coração adoece, todo o corpo passa a sofrer as consequências dessa falha e o mesmo acontece no cérebro. Por isso que médicos tratam os cérebros alterados: eles tentam consertar os órgãos (as regiões) que estão falhando para que o órgão todo volte à saúde e, assim como um coração que volta a funcionar normalmente com medicamentos, o cérebro também pode voltar a funcionar de forma saudável quando tratado de forma adequada.

Num cérebro tido como normal ou saudável, o estímulo é exógeno, fora do corpo, e possui uma reação tida como adequada. O corpo sente através do tato, da visão, do paladar ou outro sentido, o cérebro reage a essa sensação de maneira química gerando uma reação corporal. Nós nos afastamos e cuspimos a comida com paladar ruim, cheiramos por mais tempo um bom odor e apreciamos belas imagens. No entanto, em um cérebro desregulado, a sensação que o cérebro tem é diferente. Ele reage de forma intensa demais ou com menos intensidade que o normal ou ideal.

Imaginando uma régua com zero no meio, sendo a saúde ou equilíbrio, conseguimos identificar o que não é saudável. Quanto mais distante do zero, para mais ou para menos, mais doente está o órgão.

Na depressão, a sensação é mais negativa, isto é, o cérebro interpreta os estímulos como ruins ou não tão bons, portanto, para se sentir bem, a pessoa precisa de mais desse bom estímulo para que o cérebro tenha uma sensação agradável e interprete como aceitável e satisfatória. Assim, a pessoa passa a fazer muito de uma ação pouco prazerosa para obter um resultado final satisfatório que, em um cérebro saudável, precisaria de menos desse estímulo. Enquanto um cérebro saudável precisa de duas unidades para chegar ao número dois, hipoteticamente um número agradável e satisfatório, um cérebro deprimido, que está em -7 precisa de 9 para alcançar o número dois, onde se sente confortável como o cérebro saudável e um exemplo disso é a alimentação: um cérebro “triste” precisa de mais bem-estar que um cérebro neutro para se sentir feliz, então a pessoa come mais alimentos que geram prazer imediato para conseguir agradar esse cérebro tão exigente.

Porém, pode acontecer de o próprio cérebro gerar a sensação ruim como se houvesse este estímulo ruim no corpo. A pessoa “se deprime sozinha” ( o cérebro dela diminui o próprio número na régua do bem-estar) porque o seu cérebro gera as moléculas que são liberadas quando uma sensação ruim ao corpo acontece. Então, nada acontece com o restante do corpo, mas o cérebro interpreta que algo ruim está acontecendo.

A pessoa consegue sentir dor quando a dor não existe ou é muito pequena para um cérebro saudável porque está mais suscetível à sensação de dor ou porque o próprio cérebro gera as moléculas que são liberadas quando há dor no corpo; a pessoa tem pensamentos muito ruins e negativos sobre si e sobre a vida com mais frequência (pensamentos negativos são comuns, principalmente quanto estamos sob algum fator estressante. Porém, eles passam de acordo com o término do estresse e voltamos a ser mais otimistas e felizes) porque a região do cérebro que é ativada quando algum ruim acontece e gera tais pensamentos está mais ativado e a pessoa não consegue ter prazer (bem-estar). As moléculas que são liberadas diante de sensações ruins como um mal cheiro ou uma visão ruim estão aumentadas e liberadas constantemente neste cérebro alterado, o que resulta nessa percepção diferente sobre a vida e essa percepção é normal para todos que possuem um cérebro com esta alteração, isto é, estes tipos de pensamentos e sensações são normais dentro dessa alteração fisiológica provando que não são advindas unicamente da alma, mas do corpo também.

Na ansiedade, a região do cérebro que lida com estresse está mais ativada por algum motivo e é essa ativação que faz a pessoa se sentir ansiosa, incomodada, preocupada e angustiada. Os pensamentos se aceleram, a imaginação criam situações ruins e o corpo da pessoa se prepara para lidar com tudo isso ficando mais acelerado para lidar com o perigo. Essas sensações e a ativação cerebral que gera ansiedade é comum diante de um perigo ou risco e são importantes para a vida porque nos leva a termos mais cautela resultando em menos prejuízos. Contudo, quando muito ativada ou ativada quando não existe o perigo, a pessoa vive como se estivesse diante de um grande perigo ou em perigo o tempo todo, reagindo de maneira “exagerada” para quem vê de fora.

O fato é que tudo em excesso cansa e gera prejuízo. Viver ansioso causa danos porque o corpo precisa do relaxamento e descanso para que outras partes funcionem bem; viver deprimido também cansa porque o mal-estar não passa, consome a pessoa e ela fica menos produtiva, o que afeta a própria autoestima negativamente (o que cria um ciclo vicioso); e qualquer outra alteração que seja mantida por mais tempo que o normal para um corpo saudável também gera sequelas.

Existe um quadro oposto à depressão chamada mania. Neste quadro, o cérebro está funcionando ao contrário: o que costuma ser prazeroso é muito prazeroso, os pensamentos são otimistas e a alegria é frequente. Tudo isso porque o cérebro tem mais moléculas que ativam essas regiões gerando uma sensação final mais intensa.

Ficamos alegres quando conseguimos o que queremos e ficamos otimistas quando um plano dá certo, mas na mania, a pessoa não fica alegre, ela vive alegre porque a sensação não é tão momentânea quanto em um momento de alegria, mas é mais permanente. Apenas por uma questão química e fisiológica cerebral, ou seja, corporal. Da mesma maneira, por ser excessiva, é prejudicial. A pessoa fica acelerada por mais tempo o que esgota o corpo, mas não de imediato. Assim como um treino em uma academia pode ser agradável se feito dentro da capacidade da pessoa e gerar um bem-estar posterior por causa disso, o corpo também fica bem quando o cérebro é adequadamente ativado. Se treinar por muitas horas, dores no corpo aparecerão, talvez lesões e certamente um cansaço gigantesco que impede a pessoa de se movimentar nos dias seguintes e é o que acontece com um cérebro ativado por mais tempo que o ideal ou normal: o “cansaço” (consequências) surgem depois e perduram.

Existe uma crença de que “só aprendemos com o sofrimento” e isso faz muito sentido. Vivemos negando tudo que não fortalece a nossa crença e hipervalorizamos tudo que alimenta a nossa ideia porque queremos mantê-la viva visto que nos faz bem por nos gerar sensação de segurança e confiança. Porém, diante de uma realidade ruim que prova que nossas ideias estão erradas ao não conseguirmos implementar nossos planos fundamentados nelas, a dor e o sofrimento aparecem e convivemos com eles até o nosso limite. Enquanto o bem-estar gerado pela crença for maior que o mal-estar gerado pela realidade, escolhemos a crença e mantemos o sofrimento, mas quando isso se inverte com a soma do sofrimento ao longo do tempo, buscamos desesperadamente por alguma solução que elimine ou minimize o nosso sofrimento porque o mal-estar que nos dá é maior do que  bem-estar que a nossa crença nos fornece. Quando cansamos de sofrer, buscamos ajuda e, neste momento, aliviar o sofrimento é mais importante do que manter a nossa crença. É por isso que só aprendemos com o sofrimento porque é só quando não vemos outra opção que aceitamos novas ideias e refazer as nossas crenças, isto é, aceitamos aprender em vez de permanecer com as ideias limitantes que temos.

Esse é um comportamento comum, porém longe do ideal e bom visto que gera muito prejuízo antes de gerar algum benefício. O melhor é observar e avaliar, refazer as crenças e a percepção sobre o mundo para que o sofrimento não apareça. Contudo, fazer tudo isso e difícil, gera insegurança e consome tempo e pensamento, razão pela qual poucas pessoas usam de tal método em seus caminhos rumo à aprendizagem.


Medo do psiquiatra: eu sou louca???


Estes são apenas dois aspectos que induzem muitas pessoas a temerem os psiquiatras. O próprio nome, não sendo visual ou auditivamente vinculado a uma parte do corpo, também faz com que as pessoas não os levem tão a sério quanto um neurologista. O neurologia lida com neurônios, segundo a crença de muitas pessoas de acordo com o que o nome diz, e os neurônios são células, não pessoas. São partes do corpo, então é mais aceitável ser visto como um cientista ou profissional do ramo. Ainda assim, para quem tem menos conhecimento, a ideia de que um neurologista lide com o sistema nervoso significa que é um médico que lida com pessoas nervosas porque sistema NERVOso é similar a pessoas NERVOsas.

As palavras criam ideias dentro das cabeças das pessoas e é através dessas ideias, muitas vezes distantes da realidade, que elas imaginam como sejam os profissionais e, a partir dessa imaginação, concluem uma opinião sobre o profissional.

Além disso, as histórias horripilantes que ouvimos nos amedrontam, sejam elas quais forem. Histórias sobre gravidezes e partos traumáticos, maridos agressivos, vizinhos abusivos, experimentos “médicos” dolorosos e manicômios com responsáveis sádicos. Todas nos dão medo. Medo de engravidar, medo de parir, medo de casar, medo de ficar perto de vizinhos, medo de médicos, medo de hospitais psiquiátricos. Toda a nossa imaginação misturada com um pitada de realidade e muita fofoca colaboram para a nossa opinião sobre aquilo que não conhecemos. Ficamos com medo por imaginar o pior cenário e acreditar que a nossa imaginação é a realidade.

Quem busca conhecimento pergunta e busca informações. Facilmente compreende que o cérebro é um órgão grande e complexo do corpo e responsável por muitas funções corporais, incluindo algumas sensações. Assim, alguns medicamentos podem ser usados para regulá-lo e converter a alteração em uma fisiologia normal e menos prejudicial tal como remédios para cardiopatas e diabéticos.


Terapia psicológica: sou maluca???


De maneira próxima e similar, a psicologia também age. Contudo, em vez de usar medicamentos (substâncias ativas), ela usa de substâncias endógenas através de estímulos exógenos, isto é, as que são criadas pelo nosso corpo, através de estímulos cerebrais que são percebidos através do corpo como conversas, novas ideias, ressignificação, exercícios mentais e psicológicos. Por isso o resultado da psicologia é mais lento: ela age de forma lenta, mas quando é persistente, consegue mudar o funcionamento cerebral que resulta em modos de pensar diferentes os quais geram mais bem-estar, ou seja, ativam regiões cerebrais que geram prazer e bem-estar ao indivíduo. É uma maneira de modular o cérebro a ter mais satisfação de através de pensamentos e comportamentos que estimulem tal resultado.

Além disso, a falta de compreensão de como tudo isso funciona nos leva a desacreditar no processo porque acreditamos no que conhecemos e ignoramos o que não conhecemos como se não existisse. Não cogitamos a possibilidade existência de algo diferente porque assumir que não sabemos tudo, que não temos certeza sobre nossas ideias gera insegurança, sensação que queremos evitar a qualquer custo.

Afinal, somos almas em um corpo ou apenas resultado de reações químicas?

Existe uma parte “extra” (desconhecida) que influencia o cérebro. Essa parte com nomes diferentes e muitas características classificadas como personalidade se mescla com o corpo e, da mesma forma que afirmamos sentir frio ou fome como se fossem nós enquanto são apenas reações físicas/fisiológicas do corpo e que identificamos como parte de nós por nos gerar mal-estar, o mesmo vale para o cérebro e a alma (ou afins). O órgão cerebral influencia as sensações corporais afetando a nossa percepção de quem somos nós ou nossas almas e é nessa interseção que ficamos confusos. Para evitar a confusão que gera insegurança, evitamos pensar no assunto, tentamos manter uma opinião forte e decisiva, mesmo não conhecendo o assunto porque o importante nunca foi o conhecimento, mas a sensação de segurança sobre as ideias que temos.

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