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Previsões ou desejos? Análise de um texto

Muitas pessoas gostam de criar previsões sobre o futuro da humanidade, porém estas costumam ser baseadas em desejos, não em alguma análise ou estudo. A seguir uma “previsão” retirada de https://provocacoesfilosoficas.com/no-futuro-so-existirao-solteiros-e-bem-casados/.

 

“Li esses dias algumas palavras sábias e certeiras do querido psiquiatra Flavio Gikovate a respeito do futuro dos relacionamentos não só no Brasil, mas no mundo todo. Farei uma breve reflexão a partir delas. Confira!

 

‘Numa relação respeitosa não há lugar para as “brigas normais dos casais”. Amor é paz, aconchego e companheirismo. Do contrário, é melhor ficar sozinho. A qualidade de vida dos solteiros está cada vez melhor, de modo que se transforma automaticamente numa “nota de corte” para os relacionamentos: tudo o que for pior do que viver só irá desaparecer. No futuro só existirão solteiros e bem casados!’

Flavio Gikovate

 

Deixo claro que ele tinha essa noção para um futuro bem, bem distante. Provavelmente nem eu nem você que me lê agora veremos essa realidade na grande massa da população. No entanto, é um fato estarmos caminhando lentamente nessa direção.

O Gikovate não cansava de repetir que as pessoas confundem amor com paixão. É a paixão que leva aos enormes desequilíbrios que vemos nos relacionamentos. O amor verdadeiro é para poucos, e para que ele seja alcançado é preciso mergulhar no autoconhecimento, a partir da máxima do mestre Jesus Cristo: “Amai ao próximo como a ti mesmo”. Enfim! Tudo começa pelo amor próprio. Sem ele é impossível amar outra pessoa…

Eu adoro conhecer as palavras na sua origem, isso me ajuda a explicar com mais contundência esses conceitos tão importantes. Veja só! Amor é paz e paz significa “um estado de calma, de tranquilidade”. Por sua vez calma significa literalmente “com alma”, ou seja, o amor é para as pessoas que vivem conectadas com suas almas. Não é interessante?

Amor é aconchego, que é sinônimo de amparar, abrigar, confortar. Se você observar bem tais palavras, vai perceber que todas se tratam de um compartilhamento, ou seja, dividir um pouco de si com o outro (partilhar junto). Confortar é juntar as suas forças com a da pessoa que você ama. Isso é fabuloso!

Por fim. Amor é companheirismo, ou seja, é você dividir o pão com quem ama. É você ser desprendido, generoso, atencioso, prestativo etc. etc.

Percebe o quanto o amor é multifacetado? É por essas e outras que jamais o tema do amor será esgotado. Sempre tem algo a mais a se falar sobre ele.

Se não existe isso em um relacionamento, não é amor de verdade. Está mais para paixão, que esfria e com o esfriamento pode-se por tudo a perder.

É preferível estar sozinho a estar com alguém que não nos respeita e não nutre por nós essas virtudes que foram enumeradas.

A metáfora da “nota de corte” é simplesmente genial. Ela é usada nos vestibulares para elencar os alunos aprovados nos cursos superiores ou nos concursos para facilitar até no processo de refinamento de candidatos. Os cursos com maior prestígio e concorrência são os que têm maior nota de corte, e como fazer para entrar neles? Estudar, e estudar muito, todos os dias, com dedicação e persistência.

Por que seria diferente com relação ao amor? O amor se estuda sabia disso? Esse texto mesmo é um estudo meio simplificado sobre o amor! Se você continua até aqui a leitura, meus parabéns! Mostra que você de fato se interessa por esse tema universal.

Os que mais estudam a si mesmos são os que mais desenvolvem o amor próprio, e consequentemente o amor pelas outras pessoas. Quem se conhece melhor sabe bem qual é a melhor companhia, o si mesmo, ou o self, na linguagem do brilhante terapeuta Carl Jung. Esse amor próprio faz elevar essa ‘nota de corte’. Ela não é algo racional, algo numérico, tipo “minha nota é um 8,0”. Não é isso! Ela é algo interno, e se percebe pela vibração, pela energia que a pessoa emana.

Uma pessoa com grande amor próprio é segura de si, é calma, não se compara com as outras, não se incomoda com críticas, não se vangloria com elogios, não se vitimiza etc. Quem se aproxima delas sente isso muito facilmente. Essa é a ‘nota de corte’ que o Gikovate fala.

Essas pessoas só se relacionam de forma mais íntima com as pessoas afins. E aproveito pra estender a reflexão até para o nível das amizades. Estamos sempre entre as pessoas afins conosco e que vibram na mesma frequência. As pessoas com forte amor próprio só querem estar perto daquelas que também se amem da mesma forma e que juntas compartilhem experiências de forma que ambas cresçam nesse convívio! Se não for assim elas “pedem pra sair”, como se diz popularmente!

Essas palavras do Gikovate representam o futuro, este futuro que estou jogando uma pequena semente agora e que certamente vai germinar no coração de pelo menos uma parte dos leitores. No futuro, só se casarão as pessoas que queiram transbordar paz, aconchego e companheirismo. As demais estarão solteiras e felizes, muito felizes…”

 

ANÁLISE:

O que são “brigas normais de casais” senão um tentando se impor sobre o outro para que o outro lhe satisfaça? Qual relacionamento não existe a tentativa de imposição para que o outro satisfaça os desejos ou carências daquele que tenta se impor? Como é um relacionamento sem imposição ou submissão se tais características são da dinâmica da espécie?  Se uma pessoa não precisa se impor para conseguir o que deseja, é porque ela mesma cria o que deseja e, sendo assim, não faz sentido estar com alguém que não a satisfaz.

Muitas pessoas buscam o relacionamento tido como saudável, o qual é utópico. Tal relacionamento é constituído por duas pessoas que se encaixam perfeitamente: uma tem fome e a outra adora cozinhar. Isso significa que quem oferece algo à outra tem prazer neste ato enquanto que quem recebe também tem prazer ao satisfazer uma vontade ou necessidade. Porém, como encontrar duas pessoas perfeitamente complementares em todos os campos de suas vidas para que se encaixem perfeitamente sem que nenhuma se sinta impondo ou se submetendo?

Fazer o que não gostamos visando um objetivo que queremos é comum na vida. Isso significa que nós nos submetemos, ao fazer o que não gostamos, para que tenhamos o resultado que almejamos. Se o resultado não é satisfatório, nós não nos submetemos e não fazemos o que não gostamos porque não tem sentido em fazer o que não gostamos para ter um resultado que não buscamos.

Assim, essa “perspectiva” é baseada no desejo de um relacionamento idealizado, o qual mostra a vontade da pessoa de viver isso, não de observar a espécie para fazer projeções futuras.

Num primeiro momento tem-se que “! Amor é paz e paz significa ‘um estado de calma, de tranquilidade’.” Quem consegue se sentir em paz e calmo além das pessoas que estão satisfeitas por terem o que desejam? O ser humano vive em busca de satisfação e prazer (veja em hipocrisia: certa ou errada? Boa ou ruim? Por que?) e quando o alcança se sente em paz, tranquilo e satisfeito. Entretanto, quando está na busca o mesmo sente-se inquieto, irritado, desesperado/necessitado deste item de satisfação. Portanto, se o amor significa paz e tranquilidade, somente quem está satisfeito ama. Com isso pode-se concluir que, se está satisfeito, não há motivo para buscar nada, inclusive relacionamento. Logo, quem ama vive sozinho.

Em um trecho há que “Amor é aconchego, que é sinônimo de amparar, abrigar, confortar.” Isso significa que amor é ofertar, ou seja, que ama oferta prazer ao outro. daí que muitas pessoas desejam ser amada, para conseguirem o conforto vindo de outro, para terem suporte quando deseja, para se sentirem amparadas quando não conseguem o que desejam. As pessoas buscam o amor nas outras pessoas por acreditarem que amar seja cuidar do outro. no entanto amoré um sentimento, não um comportamento.

No trecho “Confortar é juntar as suas forças com a da pessoa que você ama. Isso é fabuloso!” está claro a opinião do dono do texto, mostrando como se sente com tal expectativa de eu o futuro será como ele deseja. Isso significa que ele acredita que o futuro será mais prazeroso e, por isso, fica alegre ao imaginá-lo, dando a sua opinião em “Isso é fabuloso!”

Mais adiante do texto há que “Por fim. Amor é companheirismo, ou seja, é você dividir o pão com quem ama. É você ser desprendido, generoso, atencioso, prestativo etc. etc.” demonstrando que o conceito de amor do escritor é a pessoa ser tão independente que pode dar (prazer emocional) a outra pessoa. Mais uma vez: se a pessoa é tão autossuficiente que pode dar a outra pessoa por ter bastante (mais eu o suficiente para si mesma), por que razão ela investirá em outra pessoa (um relacionamento) se não terá nenhum retorno/satisfação e ela pode continuar investindo em si mesma para alcançar o que deseja? Segundo essa lógica, o amor significa autossuficiência e, portanto, a pessoa fica sozinha.

Já em “Percebe o quanto o amor é multifacetado?” o escritor usa de vários conceitos diferentes de amor para falar sobre o amor. É uma distorção onde usa vários significados de amor como se fosse um tema só. Enquanto a pessoa que lê enxerga uma única palavra, amor, em cada texto ou parágrafo tal palavra possui uma definição diferente. É como se falasse sobre temas diferentes, mas o leitor não percebe por se usar sempre a mesma palavra para todos esses temas. Isso também faz com que o leitor fique confuso exatamente por não ter uma definição clara do objeto (amor). Afinal, o que é o amor propriamente? Não está explicado.

Mais adiante há “Se não existe isso em um relacionamento, não é amor de verdade.” Muito se fala sobre “o verdadeiro amor”, mas acontece que é amor ou não é. Não existe verdadeiro amor, assim como não existe o falso amor. Existe o amor ou a sua ausência, simples. Contudo as pessoas não percebem isso e mergulhadas em suas confusões mentais criam expressões sem coerência. Quando alguém fala de “amor verdadeiro” ela quer dizer que é amor. Quando se fala que não era o “amor verdadeiro”, significa que a pessoa acreditou que fosse amor e não era. Ou seja, a pessoa se enganou, porém por não aceitar a realidade de que não era amor, ela tenta atenuar a situação que a incomoda com a expressão de não ser amor verdadeiro para minimizar o próprio desconforto emocional. O fato é que não era amor, mas acreditar nisso dói muito mais para o seu sistema emocional do que distorcer a realidade e amenizar a dor com algo que poderia ter sido amor ou era próximo do amor e que não era realmente o amor que a pessoa deseja.

O texto alega que quem estuda mais a si mesmo se ama mais e, com isso, pode amar os demais. Como uma pessoa que vive se estudando tem tempo para se relacionar com outra(s)?

Em “Esse amor próprio faz elevar essa ‘nota de corte’” significa que uma pessoa que sabe o que busca e é bastante autossuficiente aceitará se relacionar com as pessoas possam lhe oferecer satisfação, como quaisquer outras pessoas. A diferença está na satisfação, a qual é mais difícil de ser alcançada devido à exigência da pessoa, uma vez que a própria pessoa sabe como se satisfazer. Isso significa que a pessoa se satisfaz quase completamente e que somente pessoas altamente produtivas são capazes de lhe satisfazer no que falta. É como um professor universitário que busca mais conhecimento rodeado por alunos do primeiro ano aprendendo a ler: nenhum desses alunos tem a capacidade de satisfazer este professor. Então ele prefere ficar sozinho do que com tais alunos que não agregam em nada e só demandam (atenção, cuido, carinho…). O professor consegue aprender mais (conquistar o seu objetivo) por si mesmo do que com alguma companhia. Assim, a sua nota de corte para aceitar alguém em sua vida é alta para a perspectiva dos alunos do primeiro ano, e compatível com o professor. Ele somente busca alguém compatível que possa trocar ideias às vezes para colaborar com o próprio crescimento.

No trecho “Uma pessoa com grande amor próprio é segura de si, é calma, não se compara com as outras, não se incomoda com críticas, não se vangloria com elogios, não se vitimiza…” fala que uma pessoa que se ama muito não age de maneira humana já que se comparar, analisar críticas, ter momentos de raiva e estresse, se sentir bem (vangloriar) com elogios alheios e se vitimizar são características da espécie.

Logo mais, dentro deste contexto, as pessoas relacionar-se-ão sem necessidade, mas por opção. Contudo, quem se relaciona por opção se não há necessidade? Isto é, quem vai investir tempo, atenção e sentimento se não deseja absolutamente nada em troca? É como comprar algo que não precisa e não quer.

As pessoas se relacionam por necessidade. Os casos de relacionamento “opcional” são casos em que as pessoas estimulam o desenvolvimento pessoal mutuamente, ou seja, não existe a necessidade (desejo intenso), apenas a otimização. Não são comuns porque primeiro as pessoas buscam a sobrevivência física (vida) e em segundo a sobrevivência psíquica (emocional; sensação de prazer). Quanto menos capaz a pessoa é de se satisfazer, mais busca nos outros. Isso mostra a necessidade dos relacionamentos, não a sua opção. Quanto mais capaz é alguém se se saciar ou de se manter, mais investirá em si, em fazer a sua satisfação, manter a sua sobrevivência e eventualmente otimizar esses processos. Daí surge a questão: se ela pode fazer sozinha, para que buscar em outro? Ninguém busca no outro o que sabe e pode fazer porque demanda mais investimento. É mais barato, em temos emocionais, temporais, produtivos e outros, fazer por si mesmo quando possível. Então estas pessoas não terão necessidade de se relacionar com outras. Estas são as solteiras. Se não precisam e não querem outros, manter-se-ão solteiras. Se Isso acontece, como desenvolver um relacionamento o suficiente para que ambos estimulem o desenvolvimento pessoal mutuamente a ponto de compor um casal?

E quem são os casados felizes além de solteiros que um dia se conheceram, se relacionam e resolveram se manter juntos? Se eles são solteiros felizes, por que ficar com alguém? Assim, de onde surgem os casados?

Essa ideia é fundamentada no desejo de que seja real, não por alguma evidência ou probabilidade e as faltas de coerências entres as ideias presentadas evidenciam isso.

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